Tese - A literatura como forma de expressão de quem tem o direito de permanecer calado

Autor: Eliane Andrea Bender (Currículo Lattes)

Resumo

Os textos literários têm como características a ficcionalidade, a imaginação e, assim, desvinculam-se do real, somando a isso a subjetividade, que po-derá ser maior dependendo do gênero e até do período literário a que per-tence. A maioria dos estudos sobre a literatura segue o princípio de que o narrador, ou o eu lírico, não pode ser confundido com o autor. Não se dis-corda inteiramente disso, mas análises minuciosas podem demonstrar que isso é relativo e alguns autores podem transparecer em suas obras. Ao se tratar de memórias ou autobiografias, isso se torna mais evidente, questio-nando a suposta barreira entre o real e o ficcional. A literatura também é uma área que pode se comunicar com outras e proporcionar uma vasta dis-cussão numa troca mútua, como é o caso do Direito. Para ilustrar a discussão a que se propõe, foram selecionados os auto-res Graciliano Ramos, Oscar Wilde e Franz Kafka, considerando a literatura e prisão e sua afinidade com a área jurídica. O primeiro passou quase um ano na prisão por motivo de perseguição política e possível envolvimento com o comunismo, durante o governo de Getúlio Vargas. Relata em suas Memórias do cárcere o terrível período em que sua vida passa por uma grande mudança, observando a vida na prisão. A autobiografia, assim de-nominada a obra, não se reduz a relatos, envolvendo também considera-ções pessoais do autor-narrador sobre a realidade a qual presencia. O am-biente prisional faz com que esse aumente sua repulsa às milícias e ao go-verno de sua época, demonstrando seu descontentamento com a estrutura social. Oscar Wilde permaneceu na prisão por quase dois anos ao ser conde-nado pelo crime de sodomia, sendo denunciado pelo próprio pai de seu amante. Na época vitoriana da Inglaterra, o homossexualismo era crime hediondo tanto perante a justiça como à sociedade, abalando a moral e os bons costumes, fazendo com que esse escritor perdesse seus bens materi-ais e sua reputação, além de prejuízos profissionais. Devido à revolta com a prisão e com o abandono de seu amado, redige a obra epistolar De profun-dis, como forma de desabafo. Trata-se de relatos dos momentos áureos vi-vidos com aquele e a vida de luxo que a situação financeira lhes proporci-onava, depois, o inferno da prisão. Os relatos dão pausa a profundas refle-xões sobre as relações humanas, à situação de uma vida encarcerada e as próprias condições sociais, envolvendo revolta e sensibilidade na escritura das cartas. O terceiro autor, Franz Kafka, não esteve encarcerado, sendo formado em Direito. Em uma de suas obras mais famosas, O processo, faz uma es-pécie de sátira à organização do Estado e a um de seus mais importantes segmentos, o Poder Judiciário. Em outro trabalho, Na colônia penal, nova-mente se acentua o teor satírico, o aparelhamento judicial, que se mostra injusto e atrapalhado. Os três autores criticam a organização social em seu todo, envolvendo os órgãos jurídicos, a Igreja, e o próprio comportamento humano. A descrença que isso lhes causa é demonstrada na forma de se dar as narrativas e as observações pessoais, transparecendo a flexibilidade entre o propriamente literário e a realidade vivida pelos autores citados.

TEXTO COMPLETO

Palavras-chave: LiteraturaDireitoPrisãoRamos, Graciliano, 1892-1953Wilde, Oscar, 1854-1900Kafka, Franz, 1883-1924