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Dyonelio Machado

Dyonelio, em foto de Eneida Serrano.

Dyonelio Tubino Machado nasceu em Quaraí/RS, cidade que faz fronteira com o Uruguai, em 21 de agosto de 1895. Por todo Rio Grande do Sul, especialmente na região da fronteira do Estado, acontecia a Revolução Federalista, conflito em que ambos os adversários se enfrentavam com táticas sujas e degola. A cidade de Quaraí foi um dos principais cenários da luta, bastante próximo do famigerado quartel do Cati, cuja barbárie chega a reverberar em jornais de Buenos Aires. Um tratado de paz encerraria a Revolução Federalista em 23 de agosto de 1895, apenas dois dias depois do nascimento de Dyonelio Machado.

Aos sete anos, seu pai é covardemente esfaqueado em um duelo, morrendo em casa algumas horas depois, fato testemunhado pelo filho. O vínculo de seu pai com o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) já foi indicado como possível explicação para o assassinato, considerando-se as práticas de violência política na região. No entanto, as evidências que poderiam comprovar essa hipótese hoje já não se encontram disponíveis para averiguação.

Aos dez anos de idade, junto com amigos e colegas da escola, cria um jornalzinho, chamado O Martelo, que é impresso na tipografia do pai de um deles. Com esse jornal de apenas uma folha, faziam críticas aos garotos que conheciam. Curiosamente, essa pequena diversão juvenil acabou sendo registrada em alguns livros sobre história da imprensa na cidade.

Dyonelio Machado viveu em Quaraí até 1912, quando se muda para Porto Alegre, para se preparar para o vestibular em Medicina. Irá morar em uma república estudantil próxima da Praça da Matriz, no centro histórico de Porto Alegre. Nesse período, convive com Celestino Prunes, De Souza Júnior e Alceu Wamosy, em um grupo que irá ficar conhecido como Grupo do Harmonia. Em 1914, terá de voltar para sua cidade natal, Quaraí, pois o início da Primeira Guerra Mundial cria dificuldades financeiras para a família, que ajudava Dyonelio Machado a manter-se na capital do Estado.

Não irá perder contato com seus amigos da república estudantil, pois em 1915 publica seus primeiros artigos na Gazeta de Alegrete, jornal dirigido por um familiar de Celestino Prunes. Em Quaraí, será diretor do jornal O Cidadão e professor do Colégio Municipal. Com o término da Primeira Guerra Mundial, Dyonelio Machado volta para Porto Alegre, para trabalhar como professor de Português. Em 1919, irá publicar uma série de artigos com pseudônimo Bjovulf na Revista Máscara, editada por Augusto Gonçalves de Souza Júnior.

Junto com um grupo de jornalistas, funda em 1920 a primeira Associação Rio-Grandense de Imprensa (ARI), que duraria apenas alguns anos. Essa instituição buscava defender os interesses de classes e as reuniões do grupo ocorreriam na redação da revista A Máscara, situada na Rua Riachuelo. Entre os membros da diretoria estavam De Souza Júnior, Theóphilo de Barros e João Carlos Machado. Dyonelio Machado será eleito bibliotecário para o biênio 1922-1923, sendo que em 1923 se tornará presidente da organização.

Em 1921, irá se casar com a pianista Adalgiza Wagner Martins e no ano seguinte nasce sua filha Cecília. Também em 1922, Dyonelio Machado passará no concurso para Secretaria de Obras Públicas, tornando-se funcionário público durante o governo Borges de Medeiros e indo morar no centro de Porto Alegre com sua família. Vai se aproximando do PRR, com o qual já tinha alguns vínculos familiares.

Junto com Theóphilo de Barros e De Souza Júnior funda e dirige, de 20 de março de 1921 até 1º de março de 1922, o jornal A Informação, vinculado ao PRR. Num contexto marcado pelo movimento político-militar do Tenentismo, o periódico posicionou-se ativamente contra os presidentes Epitácio Pessoa e Washington Luís. Os ataques eram tão contundentes que o governador Borges de Medeiros terá de fechá-lo, em 1º de março de 1922. Duas semanas depois, Dyonelio Machado e seu grupo irão fundar o tabloide semanal Farrapo, que seguiria atacando o governo central. Nesse mesmo ano, publica seu primeiro livro de ensaios, Política contemporânea: três aspectos.

A pedido da esposa, retoma seu antigo sonho e ingressa na Faculdade de Medicina, em 1923. Simultaneamente, colabora em jornais e revistas, como Kodak, A Máscara, Horizonte, Diário de Notícias e Correio do Povo, publicando ensaios, crônicas e contos. Em 1926, produz o manuscrito de seu primeiro romance, O estadista, que será publicado apenas postumamente. Em 1927, será publicado Um pobre homem, seu primeiro livro de contos, custeado por Dyonelio Machado e impresso na gráfica da Editora do Globo.

Também nesse ano passa no concurso para o Hospital Psiquiátrico São Pedro. Em 1929 se forma pela Faculdade Porto-Alegrense de Medicina (que futuramente integraria a Universidade Federal do Rio Grande do Sul). A formação médica foi completada entre 1930 e 1932, no Rio de Janeiro, para onde se mudou com a família para realizar o doutorado em Neurologia e Psiquiatria. Nesse período irá testemunhar os acontecimentos da Revolução de 1930, em que Getúlio Vargas toma o poder no Rio de Janeiro.

De volta a Porto Alegre, publicaria sua tese pela Editora do Globo, intitulada Uma definição biológica do crime, em 1933. Também por essa editora, em 1934 publica a tradução de Elementos de Psicanálise, texto de divulgação científica de autoria do psicanalista italiano Eduardo Weiss. Esse livro seria uma das primeiras obras a apresentar o pensamento freudiano ao grande público brasileiro.

Por incentivo de Erico Verissimo, Dyonelio Machado escreve em vinte noites de dezembro de 1934 o manuscrito de Os ratos, que no ano seguinte irá vencer o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras. Nesse mesmo período, Dyonelio Machado tornava-se uma liderança da oposição ao governo de Getúlio Vargas, assumindo a presidência regional da Aliança Nacional Libertadora (ANL), em solenidade no Theatro São Pedro. Dyonelio Machado irá organizar uma greve para protestar contra a repressão movida contra a ALN pelo governo federal e será detido por “delito de opinião”. Fica preso no 3º Batalhão da Brigada Militar e posteriormente no presídio no 1º Batalhão de Infantaria, no Quartel das Bananeiras, também em Porto Alegre.

Depois de três meses, Dyonelio Machado consegue obter suspensão condicional da pena, mas logo em seguida uma nova onda de repressão se instaura, como resultado da Intentona Comunista. O escritor será novamente preso, sendo que cumprirá seis meses em Porto Alegre e um ano e meio no Pavilhão dos Primários da Casa de Detenção, no Rio de Janeiro. Na prisão, irá conhecer Olga Benário e Graciliano Ramos, convivendo também com outros militantes socialistas. As discussões e o convívio serão o incentivo final para sua filiação junto ao Partido Comunista do Brasil (PCB).

Em 1937, o escritor será libertado, voltando para Quaraí. Com a implementação do Estado Novo, foge disfarçado para Lages em Santa Catarina. Apenas em 1938 irá receber anistia e voltar a clinicar como médico particular, sendo posteriormente reintegrado no Hospital São Pedro. Aos poucos retorna para suas atividades literárias, escrevendo também crítica literária para o Correio do Povo em 1939. Será procurado por Justino Martins da Revista do Globo, em 1940 e 1941, que se interessa em saber sobre seus futuros projetos literários. Em 1942, será publicado O louco do Cati, seu segundo romance. Esse livro foi narrado da cama para seus familiares e amigos, entre eles Cyro Martins e Lila Ripoll, que transcreviam o texto ditado no papel. Na sequência da publicação, Dyonelio Machado será novamente detido pela polícia, para dar explicações por uma noite inteira, sobre a reedição de um conto de Um pobre homem, na Revista do Globo.

Em 1943, publica Encefalografia: alguns aspectos, pela Editora do Globo. Também em 1944 irá publicar Desolação, pela José Olympio, do Rio de Janeiro. Esse livro irá receber o Prêmio Felipe D’Oliveira. Em 1945 será um dos redatores do Manifesto do Primeiro Congresso Nacional de Escritores, sendo presidente de mesa e um dos oradores responsáveis pela leitura do manifesto no evento realizado em São Paulo. Esse congresso seria responsável por exigir a legalidade democrática, sendo um dos primeiros a romper o cerco de censura do Estado Novo.

Em 1946, irá publicar Passos perdidos, pela Livraria Martins, de São Paulo. Nesse mesmo ano, irá fundar, com Décio Freitas e Antônio Pinheiro Machado Neto, o jornal Tribuna Gaúcha, um importante veículo da imprensa operária e comunista. Em 1947, será eleito deputado estadual pelo Partido Comunista do Brasil, sendo um dos responsáveis pela elaboração da sessão Saúde Pública da Constituinte Estadual do Rio Grande do Sul de 1947. No início de 1948, agrava-se o cenário de perseguição anticomunista e o Partido Comunista do Brasil será cassado e posto na ilegalidade. Dyonelio Machado tenta resistir na tribuna, mas os comunistas não receberão apoio de nenhum outro partido político. Na ilegalidade, Dyonelio Machado se sentirá pouco apoiado pelo PCB e irá se afastar quando os comunistas pedem uma foto oficial para compor o quadro de homenagem aos deputados constituintes de 1947.

Ainda que siga escrevendo romances, passará vinte anos sem publicar um livro. Dedica-se por dez anos à produção do romance Deuses econômicos, livro que se passa nos tempos do Cristianismo primitivo e do Imperador Nero. Este romance será rejeitado pela Editora do Globo em 1956, só sendo publicado em 1966, em uma edição cheia de falhas, que o escritor tenta recolher das livrarias. Em simultâneo a esse longo período de infortúnio literário, Dyonelio Machado irá se dedicar à sua carreira de profissional da Medicina, tornando-se diretor do Hospital São Pedro em 1956.

A crítica literária e público leitor irão renovar seu interesse por Dyonelio Machado nas últimas décadas de vida, quando serão publicados diversos de seus manuscritos inéditos. Em 1976, será publicada uma reedição corrigida de Deuses econômicos, que é bem-sucedida em reintroduzir o escritor no campo literário. Haverá então uma série de publicações de romances seus por editoras de São Paulo: Endiabrados (Ática, 1980), Prodígios (Moderna, 1980), Desolação (Moderna, 1981), Nuanças (Moderna, 1981), Sol subterrâneo (Ática, 1981), Ele vem do fundão (Ática, 1982), Fada (Moderna, 1982) e Passos perdidos (Moderna, 1982).

À exceção dos dois últimos livros, esses livros de ficção foram escritos ao longo dos vinte anos em que Dyonelio Machado não publicou nada. Em 1979, receberia o Grande Prêmio da Crítica de São Paulo, concedido pela Associação Paulista de Críticos da Arte. Nesse mesmo ano torna-se membro da Academia Rio-Grandense de Letras. Seu livro Endiabrados receberia o Prêmio Jabuti em 1981. Em 1982, seria o Prêmio Fernando Chinaglia, da União Brasileira de Escritores, pelo romance Nuanças. Quase ao final de sua vida será publicada na França uma tradução de Os ratos, pela Editora Maurice Nadeau/Papyrus, intitulada L’argent du laitier. Em 1984, receberá uma homenagem da Assembleia Legislativa do Estado e, em 1985, será homenageado pela Secretaria de Saúde e Meio Ambiente do Rio Grande do Sul.

Dyonelio Machado falece em 19 de julho de 1985, em Porto Alegre, após uma queda e enfermidade hospitalar. Cinco dias depois de sua morte, a família receberia a notícia de sua condecoração por embaixadores do governo francês. Dyonelio seria agraciado com a comenda “Ordre des Arts et des Lettres”, medalha entregue a sua viúva em uma cerimônia oficial, no dia 6 de dezembro de 1985. Postumamente, foi ainda publicado Proscritos (Brasília: Siglaviva, 2014), sendo que o último romance inédito de Dyonelio Machado, Terceira vigília, já se encontra fixado pelo pesquisador Camilo Raabe, na tese de Doutorado Nos domínios de Terceira vigília: criação literária e edição crítico-genética de romance inédito de Dyonelio Machado, defendida na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em 2020.

Jonas Kunzler Moreira Dornelles

Para saber mais:

AGUIAR, Vera Teixeira de; Raabe, Camilo Mattar; COLONETTI, Milton Roberto. Com a palavra, Dyonelio. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014.
DORNELLES, Jonas Kunzler Moreira. A revolução poética de Dyonelio Machado. Tese (Doutorado em Letras). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2024. Disponível em: https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/11482. Acesso em: 30 mar. 2025.
DORNELLES, Jonas Kunzler Moreira. Dyonelio Machado: perspectivas para o estudo de sua vida e obra. Dissertação (Mestrado em Letras). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020. Disponível em: https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/9451. Acesso em: 30 mar. 2025.
GAGLIETTI, Mauro José. Dyonelio Machado e Raul Pilla: médicos na política. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.
GRAWUNDER, Maria Zenilda. A instituição literária: análise da legitimação da obra de Dyonelio Machado. Porto Alegre: IEL; EDIPUCRS, 1997.
MACHADO, Dyonelio. O cheiro de coisa viva. Rio de Janeiro: Graphia, 1995.
MADRUGA, Artur. Dyonelio Machado. Porto Alegre: Tchê, 1986.
MARTINS, Marisângela Terezinha Antunes. À esquerda de seu tempo: escritores e o Partido Comunista do Brasil (Porto Alegre - 1927-1957). Tese (Doutorado em História). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.
RAABE, Camilo Mattar. Nos domínios de Terceira vigília: criação literária e edição crítico-genética de romance inédito de Dyonelio Machado. Tese (Doutorado em Letras). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020. Disponível em: https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/9241. Acesso em: 30 mar. 2025.

TILL, E. Rodrigues. Dyonelio Machado: o homem - a obra. Porto Alegre: E.R.T. Edições, 1995.

Sobre o autor:

Entre os escritores sul-rio-grandenses cujo acervo está sob a guarda do Delfos - Espaço de Documentação e Memória Cultural, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), está Dyonelio Machado: https://www.pucrs.br/delfos/acervos/escritores-e-jornalistas/dyonelio-machado/#abavida-e-obra.

Referências bibliográficas da obra do autor:

Uma definição biológica do crime. Porto Alegre: Globo, 1933.
Deuses econômicos. Porto Alegre: Garatuja, 1976.
Endiabrados. São Paulo: Ática, 1980.
Prodígios. São Paulo: Moderna, 1980.
Desolação. São Paulo: Moderna, 1981.
Nuanças. São Paulo: Moderna, 1981.
Sol subterrâneo. São Paulo: Moderna, 1981.
Ele vem do fundão. São Paulo: Ática, 1982.
Fada. São Paulo: Moderna, 1982.
Passos perdidos. São Paulo: Moderna, 1982.
Memórias de um pobre homem. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1990.
O louco do Cati. São Paulo: Planeta, 2003.
Os ratos. São Paulo: Planeta, 2004.
Política contemporânea: três aspectos. In: MACHADO, Dyonelio. O pensamento político de Dyonelio Machado. Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 2006.
Proscritos. Brasília: Siglaviva, 2014.
Um pobre homem. Brasília: Siglaviva, 2017.

Terceira vigília (inédito).

Publicação do verbete: mar. 2025.