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Olavo Bilac
Fonte da foto: página da ABL.
Bilac, o jornalista, obra em três alentados volumes de Antonio Dimas, publicada em 2006, impôs à atenção dos estudiosos os vínculos estreitos do mais conhecido poeta parnasiano com a imprensa.
De fato, em 1883, quando ainda era aluno da Faculdade de Medicina, Olavo Bilac (1865-1918) publicou suas primícias poéticas na Gazeta Acadêmica, folha dos estudantes daquela instituição de ensino. Divulgaram também alguns de seus primeiros poemas jornais do interior fluminense como a Gazeta de Sapucaia, O Vassourense e A Quinzena, também de Vassouras.
Porém, o primeiro veículo relevante a acolher versos de Bilac foi a Gazeta de Notícias, onde em 31 de agosto de 1883 saiu “Nero”, primeira versão conhecida da “Sesta de Nero”, que foi levada até a redação do jornal dirigido por Ferreira de Araújo pelas mãos de Alberto de Oliveira.
A despeito da repercussão positiva do soneto, saudado como perfeita manifestação da estética parnasiana, Bilac sempre considerou sua real “estreia” literária a publicação em 1885 de dois sonetos em coluna de Artur Azevedo no Diário de Notícias. A partir de então, passou a encontrar espaço cada vez maior em veículos prestigiosos como A Semana, dirigida por Valentim Magalhães, e A Estação, revista de moda onde Machado de Assis imperava soberano.
A fama literária aproximou dos principais círculos lítero-jornalísticos o jovem poeta, que acabou entrando na órbita de José do Patrocínio e, ipso facto, da boemia carioca. Foi apenas questão de tempo romper com o pai, médico severo que atuara na retaguarda das tropas brasileiras durante a assim chamada Guerra do Paraguai, e abandonar o curso de Medicina. Nestes tempos difíceis, Bilac defendeu alguns trocados como revisor da Gazeta da Tarde, dirigida pelo grande polemista do abolicionismo.
Sua existência boêmia não foi bem vista pela família de sua namorada, Amélia, irmã de Alberto de Oliveira. Assim, com a finalidade de mostrar-se um “partido” viável, tratou de obter um título acadêmico que lhe assegurasse o exercício de uma respeitável profissão burguesa. Mudou-se então para São Paulo, onde iria frequentar a Faculdade de Direito de 1887 a 1888. Na capital da província, colaborou regularmente no hebdomadário Vida Semanária e no Diário Mercantil.
O sucesso das sua Poesias, lançadas em 1888, atirou-o definitivamente na arena das lutas políticas e literárias. Deixou então as Arcadas, voltou ao Rio e empregou-se na Cidade do Rio, novo jornal abolicionista de Patrocínio, além de colaborar eventualmente nas Novidades.
Incompatibilizado com o isabelismo de Patrocínio, fundou em 1889 com Pardal Mallet, Luís Murat e Raul Pompeia o jornal republicano A Rua. Não houve, porém, ruptura das relações com o antigo empregador, pois já em 1890, quando a República era uma realidade, partiu para a Europa para ser correspondente da Cidade do Rio no Velho Continente.
Em 1891, por alguns meses, deixou a carreira jornalística de lado para ser secretário de Francisco Portela, governador fluminense. Foi, porém, atingido em cheio pela crise política de novembro de 1891 e, ao perder o cargo, passou para a oposição a Floriano Peixoto, fundando em 1892, com José Lopes Trovão e Pardal Mallet, o jornal O Combate, cujo título já era todo um programa.
Não lhe bastou a tribuna jornalística para destilar sua repugnância pelo novo governo e, assim, passou a tomar parte em conspirações e manifestações de rua pró-Deodoro. Como resultado de seu ativismo político, foi preso e enviado para a prisão, onde permaneceu de abril a agosto de 1892.
A repressão não o calou, mas o seu jornal tinha chegado ao fim. Acolhido mais uma vez pela Cidade do Rio, deixou esse jornal em 1893, por novas divergências políticas com seu diretor, e transferiu-se para a Gazeta de Notícias, jornal de que seria um dos principais colaboradores até 1908.
Não tinham, porém, acabado os dissabores do poeta, que seria novamente preso em outubro de 1893, embora fosse solto logo em seguida. Indisposto a continuar testando a duvidosa tolerância de Floriano Peixoto, a quem considerava um ditador, autoexilou-se em Minas Gerais, onde iniciou colaboração em jornais daquele estado como a Opinião Mineira, de Ouro Preto.
Com a relativa distensão política no ano de 1894, retornou à então Capital Federal, em que se fundava A Notícia. Nesse novo vespertino, estamparia crônicas, sátiras e poemas e iniciaria o seu “Registro”, uma seção diária de crônicas que manteve de 1900 a 1908, período marcado pelas reformas urbanas iniciadas em larga escala pelo prefeito Pereira Passos.
Em 1895, colocou-se à frente da direção literária de um hebdomadário ricamente ilustrado pelo português Julião Machado, diretor artístico. Como muitas revistas literárias daquele tempo, A Cigarra, apesar dos seus méritos, durou poucos meses. No ano seguinte, porém, Bilac e Machado tentariam recuperar os antigos assinantes e leitores com uma nova revista, A Bruxa, fartamente ilustrada como a antecessora, mas com a novidade de nela empregarem-se cores segundo uma técnica tipográfica recente e dispendiosa. A nova publicação chegou viva até 1897.
Justamente em 1897, Bilac receberia a incumbência altamente honrosa de substituir Machado de Assis na crônica semanal da Gazeta de Notícias, posto em que se manteve até 1908 com eventuais interrupções. Naquele mesmo ano, iniciou colaboração no mais importante jornal paulista, O Estado de S. Paulo. Pode-se dizer que então atingira o ápice de sua carreira jornalística, mas em 1904 ainda seria convidado a assumir a principal crônica da revista Kosmos, verdadeiro monumento das artes gráficas brasileiras estudado por Antonio Dimas no livro Tempos eufóricos.
Neste breve verbete, não se consideram colaborações eventuais em outros veículos jornalísticos como O Álbum, O País, Mercúrio, Careta, Renascença e Jornal da Exposição, todos do Rio de Janeiro. Pretendeu-se apenas apontar as principais realizações do poeta das Panóplias no periodismo brasileiro. Em jornais e revistas, divulgou com antecedência os textos de seus livros de poesia, obtendo respostas fundamentais do público e da crítica e suscitando interesse pelas obras que ia publicando com regularidade. Impôs-se também à atenção dos leitores por suas crônicas, artigos políticos e sátiras e, com essa produção, conquistou importante reputação como polemista e ideólogo, que, a despeito dos conflitos políticos da década de 1890, tornou-se íntimo dos palácios governamentais e voz autorizada de um certo consenso sociopolítico, ao qual dava forma didática em vários livros escolares que publicou com tiragens significativas a partir de 1894, produção que foi analisada por Marisa Lajolo. Com esse capital simbólico, conquistou ainda mais prestígio, uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, fundada em 1897, missões oficiais e a prebenda de inspector escolar, cargo em que se aposentou.
Em 1908, encerrou definitivamente sua carreira no jornalismo ao experimentar o veneno da imprensa sensacionalista, que o acusou de usar em seu próprio benefício parte da polpuda verba federal que obteve para organizar e implementar a agência de notícias Americana, destinada a fornecer informações confiáveis para homens de negócios brasileiros. Nos anos de 1915 e 1916, quando estava em curso a Primeira Guerra Mundial, iria sofrer novamente o impiedoso escrutínio da imprensa ao percorrer o país de Norte a Sul em uma campanha da Liga da Defesa Nacional pelo serviço militar obrigatório.
Alvaro Santos Simões Junior
Para saber mais:
______. A sátira do Parnaso. São Paulo: FAPESP; Ed. da UNESP, 2007.
Oscar Leal
Oscar Leal nasceu em julho de 1862, no Rio de Janeiro, mas, de família portuguesa – seu pai era o comendador Jacinto Leal de Vasconcelos, natural da Ilha da Madeira –; em seguida deslocou-se para terras lusas, onde realizou seus estudos na cidade do Funchal. Sua formação educacional e acadêmica foi empreendida no eixo Brasil-Portugal, vindo a formar-se em cirurgia craniana e dentária. Apresentava-se como especialista em doenças da boca, dentes e correções das deformidades nasais e como diplomado na América e Escola Médica de Lisboa. Empreendeu inúmeras viagens, notadamente pelos sertões brasileiros, percorrendo o país entre as décadas de 1880 e 1890, permanências entremeadas por retornos a Portugal. A partir de 1894, se fixou definitivamente em Lisboa, estabelecendo residência e consultório, intensificando sua ação como homem de letras, até a sua morte em abril de 1910.
Ao lado de suas práticas profissionais, como odontólogo, desenvolvidas muitas vezes de maneira itinerante, à medida que empreendia viagens por várias partes do mundo, Oscar Leal promoveu uma significativa produção intelectual. Sua obra inclui variados títulos, dentre os quais podem ser destacados: os versos Flores de abril e Flores de maio; os romances Uma mulher galante e Zélia: amores de uma brasileira; o esboço biográfico Brasileiros ilustres (perfis contemporâneos); a história ligeira O Manoel de Soiza; a novela A filha do miserável; a opereta Palomita; os discursos A questão do abade; a conferência As regiões de terra e água; os apontamentos gramaticais A linguagem dos Cocamas; a novela naturalista O parteiro; a crítica Dentistas e “dentistas”; e o romance histórico Um marinheiro do século XV. Ainda aparecem como de sua autoria Brasileiros célebres; Um conto do sertão; Excursões; e Clínica odontológica. Especificamente no que tange à literatura de viagem, o autor publicou as impressões de seu itinerário na Europa no livro Do Tejo a Paris, de 1894 e o relato Através da Europa e da África (viagens), de 1901. Já no que tange às suas permanências e deslocamentos no Brasil, escreveu os livros Viagem ao centro do Brasil (impressões), editado em Lisboa, no ano de 1886; Viagem às terras goianas (Brasil central), publicado igualmente em Lisboa, em 1892; Contos do meu tempo, levado à publicidade na cidade do Recife, no ano de 1893, trazendo textos em prosa e verso, além de um segmento voltado às excursões; e Viagem a um país de selvagens, publicado em prelos lisbonenses, em 1895. Além disso, publicou O Amazonas, conferência realizada na Sociedade de Geografia de Lisboa em novembro de 1894 e editada no mesmo ano.
Ao longo de seus itinerários e permanências, estabeleceu contato com vários representantes do mundo intelectual, mormente no contexto luso-brasileiro. A partir de sua obra e reconhecimento, militou junto a várias instituições acadêmico-culturais, compondo os quadros da Sociedade Espanhola de História Natural, da Sociedade de Geografia de Madri, da Sociedade de Geografia de Nova York, da Sociedade de Geografia de Lisboa, da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, da Sociedade Espanhola de História Natural, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, da Arcádia Americana do Pará, do Grêmio Literário da Bahia, da Academia Literária do Real Instituto de Lisboa e da Sociedade dos Homens de Letras do Porto. Além dos livros, também teve destacado papel como editor e colaborador junto à imprensa periódica, meio pelo qual também divulgou suas impressões de viagem. Atuou como editor de periódicos, como foi o caso do Dentista, publicado em Goiás e Uberaba; da Tesoura, na Bahia; do Bragantino, no Pará; do Boêmio, em São Paulo; do Correio dos Clubes e do Popular, no Rio de Janeiro; da Antessala, em Lisboa; do Viajante, em Corumbá; e do Tributo às Letras, em Cuiabá Também esteve à frente da revista ilustrada noticiosa, crítica, literária, biográfica e bibliográfica A Madrugada, editada em Lisboa, entre 1894 e 1896, e dirigiu a Revista de Lisboa, entre 1901 e 1908.
A realização de viagens foi uma prática constante na existência de Oscar Leal, tendo percorrido várias regiões portuguesas, brasileiras e africanas, e visitado Paraguai, Bolívia, Argentina, Uruguai, França, Espanha, Itália, Suíça e Inglaterra. Seus mais extensos e duradouros itinerários, e consequente produção intelectual voltada à literatura de viagem, foram realizados no interior do Brasil, que praticamente atravessou de Norte a Sul, concentrando suas excursões nas selvas e rincões do norte e centro-oeste.
A literatura de viagem que elaborou, ainda mais a realizada sobre o Brasil, foi fortemente orientada por alguns pressupostos norteadores de seu pensamento, como o cientificismo, o republicanismo, o abolicionismo e o anticlericalismo, revelando nesses três últimos pressupostos um significativo antagonismo para com alguns dos pilares do Império brasileiro, regime predominante durante a maior parte de suas viagens. Além disso, ele foi um leitor contumaz dos relatos de viagens acerca do Brasil, empreendidos desde o século XVI e mesmo entre os seus contemporâneos dos Oitocentos, chegando a corresponder-se com alguns deles. Ao lançar um olhar civilizatório sobre o Brasil, Leal repetiu e reforçou várias das visões que vinham se construindo ao longo desse largo período de tempo em meio às narrativas de viagem. Uma das mais fundamentais foi a de imputar aos brasileiros adjetivações vinculadas à malemolência, indolência, inércia, inépcia, além de desmotivação e/ou incapacidade para o trabalho, como fatores que estariam atravancando o desenvolvimento e o progresso do país em direção à civilização, tão almejada pelo autor.
Francisco da Neves Alves
Para saber mais:
ALVES, Francisco das Neves. Literatura de viagem: um país de selvagens na óptica de um escritor luso-brasileiro (Oscar Leal, 1886-1895). Lisboa: CLEPUL; Rio Grande: Biblioteca Rio-Grandense, 2020.
______. Digressões literárias: os Contos do meu tempo de Oscar Leal. Lisboa: CLEPUL; Rio Grande: Biblioteca Rio-Grandense, 2020.
______. O viageiro jornalista: Oscar Leal e a imprensa periódica (fragmentos). Lisboa: CLEPUL; Rio Grande: Biblioteca Rio-Grandense, 2020.
______. Viajor, conferencista e estudioso: o “naturalista” Oscar Leal. Lisboa: CLEPUL; Rio Grande: Biblioteca Rio-Grandense, 2020.
______. O viajante sob o crivo do jornalismo: apreciações acerca da obra de Oscar Leal. Lisboa: CLEPUL; Rio Grande: Biblioteca Rio-Grandense, 2020.
______. Impressões de viagem: estudos de caso sobre Oscar Leal. Lisboa: CLEPUL; Rio Grande: Biblioteca Rio-Grandense, 2020.
BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Dicionário bibliográfico brasileiro. v. 6. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1899, 1900.
PEREIRA, Esteves; RODRIGUES, Guilherme. Portugal – dicionário histórico, corográfico, biográfico, bibliográfico, heráldico, numismático e artístico. v. 4. Lisboa: João Romano Torres & Cia. Editores, 1909..
SILVA, Inocêncio Francisco da. Dicionário bibliográfico português. t. 17. Lisboa: Imprensa Nacional, 1894.
Publicação do verbete: dez. 2021.