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Gazeta de Notícias
Primeira página de uma edição da Gazeta, de 1889, com desenho humorístico de Hastoy, mostrando a liderança de Ferreira de Araújo na "corrida" dos jornais cariocas.
Surgido em 2 de agosto de 1875, o matutino carioca Gazeta de Notícias incorporou de imediato uma recente novidade tecnológica, a qual iria exercer um grande impacto no jornalismo: os telegramas, que, por cabo submarino, vinham de outras cidades brasileiras e de muitos países do mundo. Sua principal inovação, porém, foi incrementar a venda de exemplares avulsos, os quais até então eram somente adquiridos nas respectivas oficinas dos periódicos. Para conquistar o público que não podia pagar por assinaturas, a Gazeta era vendida a preços módicos em estações de trem, quiosques e vários estabelecimentos comerciais. Vendeu-se inicialmente por 40 réis, enquanto o exemplar do principal concorrente, o Jornal do Comércio, custava 100 réis. Os gavroches, meninos jornaleiros, apregoavam-na por toda a cidade.
Em sua estreia, a Gazeta possuía cinco colunas. Passou a seis em 1876 e finalmente chegou no ano seguinte às oito colunas com que se manteve até 1930. Iniciou-se com as costumeiras quatro páginas, que poderiam passar a seis ou oito nos domingos e ocasiões especiais. Em seu cabeçalho, informava o número do exemplar e o ano de publicação, juntamente com os endereços da redação e das oficinas e os preços das assinaturas e do exemplar avulso. Na sua primeira página, publicava de início telegramas, anúncios, revista dos jornais com sumário das matérias principais dos concorrentes, notas breves sem titulação, diário das câmaras, obituário e, no rodapé, o folhetim, que poderia ser uma crônica, crítica literária ou teatral ou, então, o costumeiro romance seriado de autores franceses como Alexis Bouvier, Paul Féval, Xavier de Montépin, Alphonse Daudet e Émile Richebourg.
Eventualmente, publicavam-se também, em diferentes espaços do periódico, poemas, contos e anedotas. A segunda página continha mais notas informativas, charadas e a matéria paga, a qual se estendia até a terceira página. As duas últimas páginas traziam anúncios de estabelecimentos comerciais, bancos, companhias de navegação, médicos e medicamentos, editais, anúncios privados, propaganda de colégios, livrarias, loterias e professores particulares, notícias fúnebres e anúncios dos espetáculos em cartaz nos teatros. Embora fosse posteriormente lembrada por seu apoio ao abolicionismo, a Gazeta publicava regularmente, em seus primeiros anos de circulação, anúncios de “escravos fugidos”. A tiragem informada em 1875, 12.000 exemplares, passou a 20.000 com a aquisição de novas máquinas rotativas Marinoni em 1879. No ano seguinte, a Gazeta destacou-se como o primeiro jornal do Rio de Janeiro a atingir a marca de 24.000 exemplares.
José Ferreira de Sousa Araújo, filho de portugueses, fundou a Gazeta com os lusitanos Emanuel Carneiro, Henrique Chaves e Elísio Mendes. Por vinte e cinco anos, as principais decisões editoriais do jornal foram tomadas por Ferreira de Araújo, que, antes de dedicar-se ao jornalismo, tinha exercido a medicina em hospitais, consultório particular e até nos campos de batalha do Paraguai. Suas primeiras experiências em periódicos tinham sido em O Mosquito, hebdomadário ilustrado que contou com o talento de Rafael Bordalo Pinheiro, Diário Ilustrado e O Guarani. Seus artigos de fundo, sob a rubrica “Coisas políticas”, eram admirados pela graça, brilhantismo intelectual e espírito público. Nos primeiros anos da República, Ferreira de Araújo polemizou com Rui Barbosa ao criticar duramente o Encilhamento; esse debate foi acompanhado com interesse e admiração pelos contemporâneos.
Graças principalmente a Ferreira de Araújo, a Gazeta de Notícias colocou a seu serviço os principais jornalistas e escritores do último quartel do século XIX: França Jr., Guilherme de Azevedo, Artur Azevedo, Luís Guimarães Filho, Ferreira de Meneses, José do Patrocínio, Artur de Oliveira, Valentim Magalhães, Araripe Jr., Demerval da Fonseca, Capistrano de Abreu, Machado de Assis, Soares de Sousa Junior, Lúcio de Mendonça, Olavo Bilac, Coelho Neto, Guimarães Passos, Luís de Castro, Pedro Rabelo, Carlos Magalhães de Azeredo e Figueiredo Pimentel. Contou também com a colaboração regular dos portugueses Oliveira Martins, Júlio César Machado, Ramalho Ortigão, Eça de Queirós e Mariano Pina, e do húngaro Max Nordau. Para ilustrar as páginas do jornal, contratou os artistas Hastoy, Belmiro de Almeida, Julião Machado e Falstaff.
Após a morte de Ferreira de Araújo, assumiu a direção do jornal Henrique Chaves, que conseguiu manter os principais colaboradores e contratou novos promissores como João do Rio, que, como redator da Gazeta e recolhendo parte de seus textos em livros logo transformados em sucessos de livraria, usufruiu das maiores glórias lítero-jornalísticas, como a de ser eleito para a Academia Brasileira de Letras, e Irineu Marinho, que seria posteriormente fundador de jornais dos quais se originaram as poderosas organizações Globo. Pode-se dizer que, com a morte de Henrique Chaves em 24 de maio de 1910, se encerrou a idade de ouro da Gazeta de Notícias, pois Manuel de Oliveira Rocha, apesar de sua experiência, não conseguiu igualar as realizações de seus antecessores. Em sua gestão efêmera, de 1913 a 1915, João do Rio pouco pôde fazer por um jornal em crise profunda.
Sob a brilhante direção editorial de Ferreira de Araújo, a Gazeta publicou as “Cartas portuguesas”, de Ramalho Ortigão; Mota Coqueiro ou A pena de morte e Os retirantes, de José do Patrocínio; O Ateneu, de Raul Pompeia; A família Medeiros, de Júlia Lopes de Almeida; O Encilhamento, de Taunay; “Cartas de Paris”, A Relíquia e Correspondência de Fradique Mendes, entre outros trabalhos de Eça de Queirós. O grande romancista português inclusive dirigiu no jornal um “Suplemento literário”, publicado regularmente no ano de 1892. Machado de Assis, por sua vez, escolheu a Gazeta de Notícias para veículo de seus principais contos como “Teoria do medalhão”, “A igreja do Diabo”, “Conto de escola”, “A cartomante” e “A causa secreta”, entre outros, e das crônicas das séries “Balas de estalo”, “Bons dias” e “A semana”.
O veículo, que tinha sido suspenso em dezembro de 1893 pela ditadura florianista, foi um dos jornais destruídos pela população durante os distúrbios decorrentes da Revolução de 1930. Ao retornar à circulação em 1934, quando passaria a apoiar Getúlio Vargas, a Gazeta de Notícias iria definitivamente perder a notoriedade que a caracterizara como periódico independente sob a direção de Ferreira de Araújo.
O que diria o incorruptível polemista das “Coisas políticas” se visse o seu antigo jornal apoiar o Estado Novo e, em plano mundial, o nazifascismo? Inicialmente por pressão dos Estados Unidos e, depois, pelo resultado da Segunda Guerra Mundial, vencida pelos Aliados, a Gazeta perdeu anunciantes e enfrentou grave crise financeira em consequência desse alinhamento político-ideológico.
A edição de 2 de agosto de 1956 trazia em sua primeira página foto do corpo de jornalistas atuantes no ano anterior. Nenhum dos nomes relacionados na legenda alcançou notoriedade literária ou jornalística semelhante à dos redatores dos primeiros trinta e cinco anos do jornal. O pior é que a Gazeta então se transformara em uma folha sensacionalista, que vivia de crimes e escândalos. Em 12 de setembro de 1956, por exemplo, estampou-se na sua primeira página fotografia do cadáver ensanguentado do presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que fora esfaqueado em sua própria mesa de trabalho. Na mesma página, encontrava-se foto insinuante de uma candidata a Miss Objetiva em um concurso promovido por repórteres fotográficos.
O fim da Gazeta de Notícias foi especialmente melancólico. No final da década de 1990, deixou de ser jornal diário e, como publicação nanica, tornou-se o destino preferencial de editais e balanços financeiros aos quais os responsáveis não queriam dar real publicidade. Em 2001, a justiça deu o golpe de misericórdia na combalida empresa jornalística ao considerar sem efeito jurídico a publicação desses documentos na folha centenária que Machado de Assis celebrizou com suas crônicas e contos.
Alvaro Santos Simões Junior
Para saber mais:
Sobre o periódico:
Há coleção do periódico, recobrindo o período de agosto de 1875 a dezembro de 1956, disponível on-line na Hemeroteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional. Reprodução em microfilme do período de 1875 a 1908 está disponível para consulta no Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa (CEDAP), pertencente à Faculdade de Ciências e Letras de Assis (UNESP).
Publicação do verbete: jul. 2024.
Guaíba, O
Capa da edição de 19 out. 1856.
O jornal O Guaíba foi lançado no dia 3 de agosto de 1856 e circulou até 26 de dezembro de 1858, em Porto Alegre. Foi o primeiro jornal literário do Rio Grande do Sul de longa duração para os padrões da época – antes dele, circulou em Rio Grande A Rosa Brasileira, com três edições publicadas entre março e abril de 1851 (PÓVOAS, 2018). O Guaíba era impresso nas oficinas da Tipografia Brasileira-Alemã, apresentava formato 30 cm x 20 cm, composto de oito páginas e com circulação dominical. Sua assinatura anual custava 12$000 e era paga em trimestres adiantados.
Seus redatores eram Carlos Jansen, editor e também proprietário da tipografia, e João Vespúcio de Abreu e Silva. Em torno da redação do jornal, reuniram-se nomes promissores da época, como: Félix da Cunha (um dos seus fundadores, ao lado de Jansen e Abreu e Silva), Pedro Antônio de Miranda, Miguel Meirelles, Rita Barém de Melo, Zeferino Vieira Rodrigues Filho, João Capistrano Filho, Catão Damasceno Ferreira, Eudoro Berlink e Furtado Coelho, entre outros. Como salienta Ferreira (1975, p. 17), o número de colaboradores era extenso e sua presença era assídua nas páginas do jornal. Configura-se, assim, uma publicação tipicamente local, que reflete de modo bastante acentuado as preocupações e tendências do meio, sem deixar de contemplar as influências vindas de fora, com destaque para a presença do romance-folhetim. Na coleção disponível para consulta no Museu de Comunicação Hipólito José da Costa (Porto Alegre/RS), foi identificada a publicação dos romances “Cherubino e Celestino”, de Alexandre Dumas; “Cain, o pirata”, de Frederick Marryat; e “A donzela pálida”, de Reinaldo Carlos Montoro.
Embora alguns textos aparecessem soltos, a redação do periódico já demonstrava preocupação em organizar o conteúdo, dividindo-o em seções. É o caso da seção “Revista”, que traz relatos do cotidiano da cidade de Porto Alegre (os jantares, a moda, as peças de teatro, os eventos religiosos e as pequenas contravenções), em uma verdadeira miscelânea de gêneros textuais. Estão presentes ali a crônica, a nota, a poesia, as cartas de leitores (devidamente respondidas) e as charadas.
Na obra de Ferreira (1975, p. 13-16), temos acesso ao texto de apresentação publicado na primeira edição do jornal, no qual a imprensa aparece como espaço privilegiado para as lutas da inteligência: “O jornal é a inteligência do povo, advogando seus interesses e proclamando seus direitos”. No mesmo texto, os diretores reconhecem a força e fragilidade de seu combate, que se dá no campo das letras. E fazem um protesto: desejam ser uma entidade neutra no campo da política provincial. Não desejam, assim, advogar interesses de partido ou de pessoa alguma, mas pretendem falar do povo, revelando-lhe seus direitos, ensinando-lhes os seus deveres. Mesmo que impossível de ser alcançado em sua totalidade, o discurso da neutralidade já aparece nesse momento, em 1856, período marcado pela prática do jornalismo político-partidário. O novo jornalismo literário e noticioso que ganha corpo na segunda metade do século XIX iria, então, especializar-se na difusão de notícias e na discussão de assuntos da atualidade, como mostra Rüdiger (2003, p. 60).
A primeira geração romântica sul-rio-grandense teria, nas páginas de O Guaíba, seu veículo de expressão. A contemplação, a melancolia, a tristeza e o abandono passam a ocupar o lugar antes reservado aos aspectos mais genuinamente gaúchos. De acordo com Cesar (1971, p. 153), tivemos, no Rio Grande do Sul, uma corrente “casimiriana” antes mesmo de Casimiro de Abreu. Com esse jornal, os poetas e escritores locais começaram a aparecer em grupo, unidos por ideais e aspirações comuns.
O Guaíba foi um jornal pioneiro, que ofereceu suas páginas aos escritores e poetas de então. Influenciados pelo Romantismo, deixaram de lado as preocupações da vida campeira e dedicaram-se às dores do amor proibido, ao desespero da separação e à saudade da infância, entre outros temas. Sua influência na vida jornalística da Província seria profunda, não apenas representando o início de uma vertente que se fortificaria até o final do século, mas representando as primeiras experiências profissionais de nomes que iriam figurar em grandes jornais do período, fazendo história no campo da imprensa, mas também, em alguns casos, na atividade política. Em uma cidade que ainda não contava com bibliotecas públicas e onde o livro era produto de luxo, a circulação da literatura nos jornais ampliava, e muito, o universo de leitores.
Aline Strelow
Para saber mais:
BAUMGARTEN, Carlos Alexandre. Literatura e crítica na imprensa do Rio Grande do Sul: 1868 a 1880. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia de São Lourenço de Brindes, 1982.
CESAR, Guilhermino. História da literatura do Rio Grande do Sul: 1737‑1902. Porto Alegre: Globo, 1971.
FERREIRA, Athos Damasceno. Imprensa literária de Porto Alegre no século XIX. Porto Alegre: Ed. da UFRGS: 1975.
PÓVOAS, Mauro Nicola. Precedência malograda: A Rosa Brasileira (1851), o primeiro jornal literário do Rio Grande do Sul? In: ALVES, Francisco das Neves; PÓVOAS, Mauro Nicola. Periodismo e literatura no Rio Grande do Sul do século XIX. Lisboa: Cátedra Infante Dom Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos e a Globalização; Rio Grande: Biblioteca Rio-Grandense, 2018.
RÜDIGER, Francisco. Tendências do jornalismo. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2003.
STRELOW, Aline. Primórdios da imprensa literária no Rio Grande do Sul: a história do jornal O Guayba. Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, São Paulo, v. 39, n. 2, p. 19-38, maio/ago. 2016.
Sobre o periódico:
A coleção do jornal que compõe o acervo do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa foi digitalizada, no âmbito do projeto de pesquisa “Imprensa literária no Rio Grande do Sul no século XIX – Textos e contextos”, estando disponível para consulta.
Publicação do verbete: dez. 2021.