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Jornal das Famílias
O Jornal das Famílias (1863-1878) foi um periódico mensal que circulou durante dezesseis anos por várias províncias brasileiras e por pelo menos outros dois países, Portugal e França. Era impresso em Paris e voltava ao Rio de Janeiro, de onde era redistribuído por todo o Brasil. Com o tempo, passou a circular também em Lisboa, Braga e no Porto. Baptiste-Louis Garnier foi seu editor-proprietário desde o início até 1876. A partir do número I do ano XV, ou seja, de janeiro de 1877, a capa da “publicação ilustrada, recreativa, artística etc.” passou a estampar o nome de E. Belhatte (Germain Eugène Belhatte) como coeditor do projeto de Garnier, parceria editorial que vinha se fortalecendo também no suporte livro, nos anos 1870.
No início, como se lê na edição de janeiro de 1863, o editor declarou o seu engajamento na construção de uma revista dedicada “aos interesses domésticos das famílias brasileiras”, o qual funcionaria como um continuador aperfeiçoado da Revista Popular (1858-1862), também da propriedade de Baptiste-Louis Garnier. Os colaboradores seriam “os mesmos distintos cavalheiros a quem tanto deve a Revista, acrescentando outros que tivemos a honra e a fortuna de angariar” (Jornal das Famílias, “Aos leitores”, n. 1, jan. 1863, p. 1). Já estavam Joaquim Norberto de Sousa e Silva, o Cônego Fernandes Pinheiro, Justiniano José da Rocha, entre outros importantes homens públicos brasileiros (Zacarias de Gois e Vasconcelos, por exemplo), ou homens de letras do domínio lusófono (Alexandre Herculano, por exemplo). Entre os novos, o então jovem literato e jornalista Machado de Assis, o mais frequente escritor da seção “Romances e novelas” ao longo de toda a história da publicação, cuja colaboração com textos de ficção curtos ou relativamente curtos (seriados, em duas ou três edições), apareceu sob mais de uma dezena de pseudônimos. Isso mostra, ao mesmo tempo, uma vocação e uma limitação do Jornal das Famílias: a vocação foi publicar, além da traduzida, a ficção produzida no Brasil ou em português, configurando-a como variada, ainda que à custa de várias personas de um mesmo escritor; a limitação foi não poder contar com a diversidade pretendida, o que indica o artifício dos pseudônimos. Além de Machado de Assis, embora não tão frequentes, há textos de ficção de Augusto Emilio Zaluar, Joaquim Manuel de Macedo, Bernardo Guimarães, colaborações assinadas por pseudônimos femininos (Vitoria Colonna e Paulina Philadelpha, por exemplo), mas há também contribuição feminina genuína (Honorata Minelvina Carneiro de Mendonça e Emília Augusta Gomide Penido). Segundo Alexandra Pinheiro, a análise das narrativas do Jornal das Famílias mostra que a literatura brasileira não foi construída apenas pelos literatos hoje consagrados pela crítica, mas também por um grupo amplo de escritores preocupados com questões estéticas, políticas e sociais. Apesar de o público-leitor do Jornal das Famílias ser principalmente composto por mulheres, ao contrário do que se pode imaginar, o conteúdo de “entretenimento” do jornal (ficção, modas, moldes, curiosidades, assuntos domésticos) não foi o único oferecido às leitoras desse periódico. Elas foram inseridas em debates importantes para o século XIX, como a consolidação de uma literatura nacional e a condição do escritor brasileiro (PINHEIRO, 2007).
O Jornal pretendia servir “ao recreio e utilidade das famílias”, “dobrando os zelos” na escolha de artigo que servissem “à economia doméstica, à instrução moral e recreativa, à higiene, numa palavra, ao recreio e utilidade das famílias”, como propõe no texto de apresentação da primeira edição. Incorporado a uma ação editorial de Garnier na época, o volume era nitidamente impresso em Paris e, adquirindo por lá os clichês, o editor propunha “gravuras, desenhos à aquarela coloridos, moldes de trabalho de crochê, bordados, lã, tapeçaria, figurinos de modas, peças de música inéditas etc., para o que tem contratado naquela capital os melhores artistas”.
Ao longo dos anos, Baptiste-Louis Garnier conseguiu criar uma rede de colaboradores e leitores, a qual incluía diferentes províncias brasileiras, mais as cidades de Braga, Porto e Lisboa em Portugal e, inevitavelmente, Paris (chez E. Belhatte, e não na Maison dos Garnier Frères). Como nos mostram os dados extraídos das “condições de assinatura” e dos anúncios de locais de vendas de obras da editora de Garnier em 1878, ano derradeiro da publicação, o Jornal das Famílias mantinha correspondentes na Bahia, em Campanha, Campos, Cantagalo, Ceará, Cuiabá, Goiás, Juiz de Fora, Maceió, Macaé, Manaus, Maranhão, Mogi-Mirim, Pará, Paraíba do Sul, Paraíba do Norte, Passo Fundo das Missões, Pelotas, Pernambuco, Pindamonhangaba, Rezende, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Santa Fidelia, São Gabriel, São Paulo, Teresina, Três Corações do Rio Verde, Braga, Lisboa, Porto e Paris. Os exemplares de 1878 do Jornal das Famílias indicam que se procurem pelos livros anunciados por Garnier e que se façam assinaturas desse periódico nos correspondentes comerciais de cada uma dessas localidades, o que dá a dimensão de sua circulação nacional e internacional.
Todos esses fatos mostram que, a partir dos anos 1860, e com grande apoio do Jornal das Famílias, que foi o veículo primeiro de várias publicações em livro da casa Garnier, Baptiste-Louis Garnier conseguiu delimitar com precisão o lugar que ocuparia junto às letras e aos meios intelectual e editorial no Brasil. A partir daí, criou um mercado para a literatura em português (notadamente a brasileira), que passou a publicar, usando os métodos dos editores europeus e criando uma ponte de impressos entre a Europa e o Brasil.
Lúcia Granja
Para saber mais:
AZEVEDO, S. M.; MIRANDA, K. R. M. Revista Popular (1859-1862) e Jornal das Famílias (1863-1878): um perfil dos periódicos de Garnier. In: TriceVersa: Revista do Centro Ítalo-Luso-Brasileiro de Estudos Linguísticos e Culturais. Assis, v. 3, n. 2, nov. 2009/jun. 2010. Disponível em: www.assis.unesp.br/cilbelc. Acesso em: 7 maio 2020.
CRESTANI, Jaison Luis. Machado de Assis no Jornal das Famílias. São Paulo: Nankin; EDUSP, 2009.
GRANJA, Lúcia. Chez Garnier, Paris-Rio (de homens e de livros). In: GRANJA, Lúcia; LUCA, Tânia Regina de. Suportes e mediadores: a circulação transatlântica dos impressos (1789-1914). Campinas: Ed. da UNICAMP, 2018. p. 55-80.
PINHEIRO, Alexandra. Para além da amenidade: o Jornal das Famílias (1863-1878) e sua rede de produção. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária). Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. Disponível em: http://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/estudos/teses/pdfs/alexandra.pdf. Acesso em: 7 maio 2020.
SILVEIRA, Daniela M. Contos de Machado de Assis: leituras e leitores do Jornal das Famílias. Dissertação (Mestrado em História Social). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/281951/1/Silveira_DanielaMagalhaesda_M.pdf. Acesso em: 7 maio 2020.
Sobre o periódico:
A Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, possui 183 edições desse periódico, todas disponíveis na Hemeroteca Digital.
(HEMEROTECA DIGITAL - Jornal das Famílias)
Julieta de Melo Monteiro
Poetisa e jornalista brasileira, Julieta Nativa de Melo nasceu a 21 de outubro de 1855, na cidade do Rio Grande (Rio Grande do Sul/Brasil). Pertencia a uma família fortemente vinculada às letras, envolvendo o avô Manoel dos Passos Figueroa, escritor e jornalista; a mãe, Revocata dos Passos Figueroa Melo, professora e poetisa; o tio Manoel dos Passos Figueroa, engenheiro e escritor; outro tio, Deodato dos Passos Figueroa, professor e escritor; e a tia Amália Figueroa, poetisa. Além disso, havia o irmão, Otaviano Augusto de Melo, poeta que manteve um jornal literário e Revocata Heloísa de Melo, escritora e periodista, ao lado da qual empreendeu incansavelmente a batalha através da palavra escrita. Para completar, ela se casou com o jornalista e poeta Francisco Pinto Monteiro, incorporando o sobrenome do marido, vindo a assumir o nome pelo qual ficaria mais conhecida – Julieta de Melo Monteiro.
Desde cedo, Julieta Monteiro passou a atuar como colaboradora junto à imprensa periódica, escrevendo para os mais variados gêneros jornalísticos, mormente junto das publicações literárias, mas também em jornais informativos, comemorativos, ilustrados e até caricatos. Ao final dos anos setenta, entre 1878 e 1879, ela se lançou no caminho que não mais abandonaria, fundando a Violeta, um semanário literário cuja redação e colaboradoras eram essencialmente do sexo feminino, bem como tinha por público-alvo basicamente as mulheres. Apesar das pequenas dimensões, o periódico obteve certa projeção, notadamente no que tange ao intercâmbio promovido, o qual atingiu a maior parte das regiões brasileiras e chegou mesmo ao exterior. Em seguida, no ano de 1883, Julieta esteve ao lado da irmã Revocata na execução de uma das mais importantes publicações literárias e femininas, tanto no contexto regional, quanto no nacional, através da edição do Corimbo, folha que marcou época em termos de escrita feminina, na difusão da leitura entre as mulheres e na busca por transformações no papel social feminino, vindo a circular até 1944. Auxiliando a irmã no gerenciamento do jornal ou atuando diretamente na redação, Julieta Monteiro permaneceu no Corimbo até a sua morte, em 27 de janeiro de 1928.
Ainda que as forças da escritora estivessem centradas na execução desta folha, ela não deixou de colaborar recorrentemente com outros jornais na conjuntura regional, nacional e até internacional. Além de atuar incessantemente junto à imprensa, Julieta de Melo Monteiro publicou vários livros, como Prelúdios (1881), Oscilantes (1891), Coração de mãe (1893), Alma e coração (1897), Berilos (1911) e Terra sáfara (1928 – edição póstuma). Como típica representante da intelectualidade de sua época, Julieta Monteiro teve uma ação amplamente diversificada, pois, além de poetisa e jornalista, foi contista, cronista e dramaturga. Também no campo profissional, durante boa parte de sua vida, permaneceu ao lado da irmã Revocata na função de professora. Em termos políticos, foi aliada das forças partidárias liberais que enfrentaram o autoritário modelo castilhista-borgista, predominante no Rio Grande do Sul, ao longo da República Velha. Julieta de Melo Monteiro teve uma longa carreira, com aproximadamente meio século de ampla dedicação à escritura, contribuindo decisivamente para a difusão da escrita e da leitura feminina. Ela conquistou reconhecimento e lançou mão desse para difundir suas ideias, notadamente vinculadas a um novo papel social para a mulher. Ainda que tivesse uma visão moderada, a autora defendeu mudanças, principalmente a partir da educação das mulheres, caminho único, segundo ela, para a emancipação feminina.
Francisco das Neves Alves
Para saber mais:
ALVES, Francisco das Neves. Escrita feminina no Sul do Brasil: Julieta de Melo Monteiro – autora, poetisa, editora e militante. Lisboa: Cátedra Infante Dom Henrique; Rio Grande: Biblioteca Rio-Grandense, 2018. Disponível em: https://issuu.com/bibliotecariograndense/docs/cole__o_rio-grandense_vol_15.
ALVES, Francisco das Neves; LOUSADA, Isabel Maria da Cruz; GEPIAK, Luciana Coutinho. Escrita feminina dos dois lados do Atlântico: Julieta de Melo Monteiro, Sílvia da Vinha e Revocata Heloísa de Melo. Lisboa: Cátedra Infante Dom Henrique; Rio Grande: Biblioteca Rio-Grandense, 2020. Disponível em: https://issuu.com/bibliotecariograndense/docs/cole__o_rio-grandense_38.
BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Dicionário bibliográfico brasileiro. v. 5. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1899.
FLORES, Hilda Agnes Hübner. Dicionário de mulheres. Porto Alegre: Nova Dimensão, 1999.
MARTINS, Ari. Escritores do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1978.
NEVES, Décio Vignoli das. Vultos do Rio Grande. v. 2. Rio Grande: [s.n.], 1987.
OLIVEIRA, Américo Lopes de; VIANA, Mário Gonçalves. Dicionário mundial de mulheres notáveis. Porto: Lello & Irmão, 1967.
SCHMIDT, Rita Terezinha. Julieta de Melo Monteiro. In: MUZART, Zahidé Lupinacci (Org.). Escritoras brasileiras do século XIX. Florianópolis: Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000. p. 306-319.
SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital. Dicionário de mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
VILLAS-BÔAS, Pedro Leite. Notas de bibliografia sul-rio-grandense: autores. Porto Alegre: A Nação; Instituto Estadual do Livro, 1974.
______. Dicionário bibliográfico gaúcho. Porto Alegre: EST; Edigal, 1991.
José da Silva Maia Ferreira
Foto de Maia Ferreira (à direita) com o seu irmão Luís de Queirós Matoso Maia. Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa
José da Silva Maia Ferreira nasceu em Luanda, a 7.6.1827 e faleceu no Rio de Janeiro de tuberculose mesentérica, tendo sido sepultado a 18.10.1867.
Ao longo de curta e agitada vida morou (por ordem cronológica) em Luanda, Rio de Janeiro, Lisboa, Rio de Janeiro novamente, Luanda novamente, Benguela, Luanda novamente, Nova Iorque e, por fim, Rio de Janeiro.
Filho do negociante homónimo (José da Silva Maia Ferreira) e de D.ª Ângela de Medeiros Matoso (de Andrade Câmara) Maia, sua segunda mulher, descende, pelo lado paterno, de famílias de Luanda (Angola) e da região do Porto (Portugal); pelo lado materno descende de famílias de origem vária luandense e portuguesa (em parte, açoriana) de que há registo em Luanda desde meados do século XVII.
Terá estudado no Rio de Janeiro (onde chegou com sete anos, a 16.12.1834) e depois em Lisboa (1840 ou 1841 a 1843 ou 1844), no Lycée Parisien (que lhe imprimiu dois desenhos: um retrato de D. Pedro I e uma cabana junto a um rio); não se sabe se chegou a matricular-se na Escola do Comércio, ou na Escola Politécnica (nenhum registo o menciona, havendo porém registos lacunares). Regressou ao Rio de Janeiro em abril de 1844, por falecimento do pai, começando a sua vida de funcionário público e negociante em seguida, já em Angola. Foi funcionário público em Luanda (para onde embarcou, do Rio de Janeiro, a 12.6.1845) e Benguela (Angola). É bastante provável que tenha casado (ou amigado) com uma luandense e tido uma filha, que faleceu muito nova, em Benguela, onde se manteve ligado ao grupo Jovem Luanda (sendo acusado, nesse âmbito, com os companheiros, de lusofobia). Na sequência de escândalo por identificar (talvez amoroso), foi demitido da função pública e fugiu para os EUA (Nova Iorque) em maio de 1851, a partir do porto livre do Ambriz, então integrado num sistema de portos livres ou governados por africanos e que, pouco tempo depois, seria conquistado pela colônia. Trabalhou no consulado português em Nova Iorque por iniciativa do cônsul (diplomata, negociante, escritor e maçom) Joaquim César de Figanière e Morão (ou Mourão). Foi agente de negócios (para a família Figanière e sua rede comercial) desde, pelo menos, 1852, realizando negócios próprios entre Nova Iorque e Havana (tabaco sobretudo). Há menção ao seu nome importando seis escravos em um navio negreiro apreendido a um comerciante português com negócios no Brasil e nos EUA.
Na sua itinerância terá passado ainda em Cabo Verde, Bissau (Guiné-Bissau), talvez na Gâmbia, em Espanha e pode ter passado por Inglaterra também. Manteve contactos comerciais e familiares, ao longo da vida, com pessoas em Angola e no Brasil. Intermitentemente manteve contactos com membros da elite portuguesa, alguns dos quais conhecera enquanto estudante (a maioria deles estudara na Escola Politécnica).
Não se relacionou com o Partido Conservador no Brasil, nem qualquer outro, apesar de um parente próximo de sua mãe ser uma das figuras salientes desse partido (Eusébio de Queirós Coutinho Matoso da Câmara). Seu irmão mais novo (já nascido no Rio de Janeiro), médico de formação e que serviu na Guerra do Paraguai, se tornou professor de História “no internato do Ginásio Nacional”, ou seja, no Colégio D. Pedro II. Nesse âmbito produziu um manual de História do Brasil adotado para as escolas “de instrução secundária” (Maia 1880). Outras relações incluíam jornalistas (entre os quais Antonino José de Miranda Falcão) e diplomatas como Francisco Inácio de Carvalho Moreira ou Joaquim César de la Figanière e Morão, com seu filho, também escritor e maçom, Frederico Francisco Stuart de Figanière e Morão.
Nos meios literários ou culturais e jornalísticos os seus contactos o relacionavam, de forma geral, com a terceira geração romântica (e, por via dessa, com a segunda – de João de Lemos e de Gonçalves Dias), incluindo muitos que foram, para além de literatos e jornalistas, políticos. Elenco alguns nomes, sobretudo portugueses, mas também brasileiros e luso-brasileiros: António Freire de Serpa Pimentel, Casal Ribeiro (José Maria Caldeira), Raimundo António de Bulhão Pato, João d’Aboim, Luís Augusto Palmeirim, Ricardo Guimarães, Emílio Augusto Zaluar, A. P. da Costa Jubim, José Maria da Ponte e Horta, Francisco Maria Bordalo. A opção política da maioria destes amigos, em Portugal, era pelo Partido Regenerador; vários deles foram “setembristas”, colaborando no periódico A Revolução de Setembro (Lisboa, 1840-1901) e Casal Ribeiro foi republicano até à sua conversão (relativamente tardia) à monarquia liberal.
A carreira jornalística de Maia Ferreira não foi prolífica, centrando-se em crónicas, a maioria enviadas de (ou escritas em) Nova Iorque e Havana, sobre assuntos políticos locais ou sobre hábitos locais. Iniciou-a já residente nos EUA, remetendo colaboração para o Jornal do Comércio e o Correio Mercantil – ambos do Rio de Janeiro. Colaborou também na edição de 1856, feita em Filadélfia, do Lippincott Pronoucing Gazeteer (1856), organizado por um seu cunhado estadunidense, que lhe agradece o apoio relativo a Brasil e Portugal.
A vida literária de Maia Ferreira iniciou-se no Rio de Janeiro, a partir de contactos com o poeta e jornalista português, aí exilado, João d’Aboim. Por via desse poeta e jornalista português, amigo de Gonçalves Dias, nos anos de 1848 e 1849, publicou na Lísia poética, de José Monteiro Ferreira, juntamente com o seu amigo (brasileiro) A. P. da Costa Jubim. Publicou também no Boletim Oficial do Governo Geral da Província de Angola, em 1849, poemas homenageando o novo governador (Adrião Acácio da Silveira Pinto, que depois lhe foi adverso), D. Pedro de Alcântara, D. Fernando II e D.ª Maria II. No jornal O Peneireiro, de João d’Aboim, publicou ainda o poema «O exilado» (em 1855, ano da fundação do jornal), que deve ter sido composto durante a viagem que o levou do Ambriz até aos EUA (não se sabendo se terá passado, entretanto, por Lisboa). O poema seu publicado no Novo Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro para o ano de 1879 deve ter sido enviado por um desconhecido, na sequência de uma publicação idêntica assinada por outra pessoa, pois o poeta falecera doze anos antes.
A sua única obra impressa foi tipografada em Luanda, sob o título e subtítulo Espontaneidades da minha alma: às senhoras africanas. O título intertextualiza com homónimos e dedicatórias semelhantes em outros da época e, em particular, O livro da minha alma, de João d’Aboim, dedicado “às senhoras brasileiras”. Não se sabe ao certo se a finalização das Espontaneidades se deu no final de 1849 ou no princípio de 1850 (há poemas datados já deste ano). Foi impresso na tipografia do Boletim Oficial e terá constituído uma edição de autor. Trata-se, tanto quanto se saiba até hoje, do primeiro livro de poemas escrito por um filho da terra e publicado em Angola.
Pela data e pelas características estilísticas, emparceira com outros títulos que lançam o ultrarromantismo português e as segunda e terceira gerações românticas brasileiras. Regista muitas influências francesas (Chénier, Hugo, Delphine Girardin etc.), bem como de Almeida Garrett e de Gonçalves Dias (todas comuns aos vários românticos). Revela um domínio hábil dos jogos rítmicos (sobretudo de instáveis acentos e cesuras internas), das rimas, dos modelos estróficos vigentes na então nova escola e das figurações enunciativas (sugerindo quadros enunciativos e flexões pessoais ambíguos ou totalmente fictícios mas, como de regra entre românticos, autobiográficos na aparência).
A representação do feminino na sua poesia se reparte entre estereótipos europeus e mulheres definidas por traços psicossomáticos ligando-as à autenticidade, aos olhos escuros, à graciosidade no andar, aos peitos firmes, a uma tristeza profunda, à meiguice, à naturalidade.
Chegou a imprimir um prospeto anunciando as Memórias íntimas dum africano, mas de tal obra não veio nada mais até nós, pelo que pode nem se ter concretizado, ou ter-se perdido entre os papéis da sua família brasileira – caso ele tenha levado algum esboço ou manuscrito consigo ao regressar ao Rio de Janeiro. Visto que uma parte do espólio norte-americano não foi revelada, existe ainda a esperança de lá se encontrar o manuscrito dessa autobiografia. Em carta ao irmão Luís de Queirós, enviada de Nova Iorque, diz ter abandonado a poesia nos EUA, em razão da vida prática para que teve de se voltar. Em carta à mulher, escrita de Havana, descreve a sua nova crença ou ideia de Deus e do mundo em termos claramente maçônicos.
Segundo o n.º 290 (p. 3), do Correio Mercantil de 21.10.1867 (uma segunda-feira), foi sepultado no Rio de Janeiro, no dia 18.10.1867, “José da Silva Maia Ferreira, africano, 39 anos, casado. Tubérculos mesentéricos”. Entretanto erraram a idade, porque teria quarenta anos e quase quatro meses. O resto parece confirmar-se…
Francisco Soares
Para saber mais:
ANTT. José da Silva Maia Ferreira. 3 maio 2012. https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4707290 (acedido em 11. 1.2021).
FERREIRA, José da Silva Maia. Espontaneidades da minha alma: às senhoras africanas. Luanda: UEA, 1985.
_______. Espontaneidades da minha alma: às senhoras africanas. Luanda: Imprensa do Governo, 1849.
______. Espontaneidades da minha alma: às senhoras africanas. Intr. e notas Gerald Moser. Lisboa: Ed. 70, 1980.
______. Espontaneidades da minha alma: às senhoras africanas. Intr. Salvato Trigo. Lisboa: IN-CM, 2002.
______. Espontaneidades da minha alma: às senhoras africanas. Intr. e org. Francisco Topa. Porto: Sombra pela Cintura, 2018. http://web.letras.up.pt/ftopa/Livros/20.%20Espontaneidades.pdf. Acedido em: 12 jan. 2021.
PACHECO, Carlos. José da Silva Maia Ferreira: novas achegas para a sua biografia. Luanda: UEA, 1992.
______. José da Silva Maia Ferreira: o homem e a sua época. Luanda: UEA, 1990.
______. O nativismo na poesia de José da Silva Maia Ferreira. Évora: Pendor, 1996.