Fonte da foto: página do IJSLN
Nascido a 9 de março de 1865, em Pelotas, cidade às margens da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, João Simões Lopes Neto, filho de Catão Bonifácio Lopes e de Thereza de Freitas Lopes, teve sua vida ligada ao teatro, à literatura, ao empreendedorismo e à imprensa. A dramaturgia lhe concedeu um reconhecimento local no seu tempo, enquanto sua produção literária mais tardia, já no início do século XX – destaque para os Contos gauchescos (1912) e Lendas do Sul (1913) –, somente foi valorizada décadas após seu falecimento, ocorrido em 14 de junho de 1916, em decorrência de complicações de uma úlcera duodenal.
Viveu sua infância na Estância da Graça, arredores da cidade de Pelotas, em um período no qual afloravam os movimentos abolicionistas e republicanos e em meio à época final do apogeu do charque, principal riqueza da região. A contraditoriedade do seu tempo, entre o desenvolvimento de uma cultura urbana sustentada pela exploração do trabalho escravo, trouxe várias demandas e oportunidades para expressar essa realidade. E, entre os vários revezes enfrentados com seus empreendimentos comerciais, seu envolvimento com a imprensa sempre esteve presente, iniciando no jornalismo de colaboração em 1888, três anos após retornar com os estudos inacabados do Rio de Janeiro, com a publicação de dois poemas no jornal A Pátria, de propriedade de Ismael Simões Lopes, tio de João Simões Lopes Neto.
Neste mesmo jornal, viria a escrever a seção “Balas de estalo”, que foi interrompida no final de 1888 e retomada em 25 de abril de 1889, sendo mantida até 20 de agosto de 1890. Carlos Francisco Sica Diniz comenta que essa seção era “sempre assinada por algum João, com nome composto associado ao riso. E assim foram desfilando o João Ripouco, o Riforte, o Rimuito e múltiplos outros componentes desses clonados Joões: Riduro, Rimole, Risempre, Rimiúdo, Ripianíssimo, Rimudo, Risurdo, Rocegosurdo, Rilonge, Riperto, Rigago, Ritossindo, Ripasmo, Riverde, Rivotos, Riinchado, Rimaduro. Contudo, o título dessa coluna de jornal não foi criado por Simões Lopes Neto. “Balas de estalo” foi o nome de uma seção da Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, durante os anos de 1884 a 1885, na qual colaboravam diversos autores; assinando-se Lélio, Machado de Assis era um deles” (Diniz, 2003, p. 66). Adota o pseudônimo Serafim Bemol – que assinaria várias de suas produções ao longo dos anos, incluindo as peças de teatro – no final de 1888 para uma série de seis crônicas publicadas no diário A Pátria sob o título “O Rio Grande à vol d’oiseau”.
As tensões políticas no início da República também trouxeram notícias envolvendo João Simões Lopes Neto, como na ocasião em que, juntamente com o irmão de Ismael, Manuel Simões Lopes, se envolveu em uma luta corporal contra um grupo de monarquistas após uma conferência de Alcides Lima em 17 de agosto de 1889. Como o A Pátria se situava em um espaço independente, essa pauta exigiu um posicionamento em que os envolvidos na agressão não agiam em nome da publicação. A nota publicada, provavelmente redigida por João Simões Lopes Neto, foi recebida como uma tentativa de o jornal não assumir seu vínculo antimonarquista, especialmente porque protegeria o legado da família e o título de nobreza do Visconde da Graça, avô de João Simões Lopes Neto. No final de 1889 publica nesse jornal uma tradução de um artigo da revista parisiense L’Amérique, intitulada “A barra do Rio Grande” e assinada por Serafim Bemol.
Em 1890, instala-se como despachante geral e continua publicando no diário A Pátria, agora com a coluna “Tesoura hilariante” em que abordava vários temas do cotidiano, reeditando os pseudônimos da primeira fase de “Balas de estalo”. Em 4 de junho de 1891, o jornal A Pátria encerra suas atividades e o seu acervo é adquirido pelo Diário Popular, vinculado ao Partido Republicado e fundado em 27 de agosto de 1890. O Diário Popular permaneceu como um dos jornais mais importantes do Rio Grande do Sul ao longo de 133 anos, encerrando suas atividades em 12 de junho de 2024.
Casa com Francisca de Paula Meirelles Leite em 1892, ano em que as discórdias dentro do Partido Republicano se acirraram, culminando com a Revolução Federalista (1893-1895), conflito marcado pela extrema violência, tendo como marca trágica a degola dos prisioneiros. Começa a escrever para o Diário Popular em 1º de janeiro de 1893 com o artigo “As nossas indústrias”, seguido de uma série de seis artigos sobre a “Canalização do Arroio Santa Bárbara e melhoramentos anexos”. Retoma a sua produção junto ao Correio Mercantil novamente com o pseudônimo de Serafim Bemol, agora com uma novela de folhetim escrita em coautoria com Dom Salústio e Sátiro Clemente. Essa novela, A mandinga, se estendeu por quinze capítulos, sendo concluída em 14 de dezembro de 1893. Nesse período conturbado, Diniz escreve que eram “Tempos de guerra, João Simões Lopes Neto não aderiu à revolução, mantendo-se fiel ao Partido Republicano. A fidelidade aos antigos ideias republicanas, como parece ter sido o caso de Simões Lopes, não significava estar em apoio às perseguições políticas que porejavam no Rio Grande, a partir da retomada do poder pelos castilhistas, em junho de 1892. Já filiado ao Partido Republicano e nomeado tenente da Guarda Nacional, sem no entanto entrar em combate contra os federalistas revolucionários, Simões Lopes manteria sempre uma postura sóbria, um tanto avessa às campanhas partidárias” (Diniz, 2003, p. 82).
Paralelamente à sua produção teatral, grande parte em parceria com Mouta-Rara, pseudônimo de José Gomes Mendes, cunhado de João Simões Lopes Neto, retoma a coluna “Balas de estalo” no Diário Popular no ano de 1895. A coluna é sucedida pela série “A semana passada”, redigida na forma de esquetes teatrais, sendo publicada quatro vezes entre setembro e outubro daquele mesmo ano. Em 1896, nova coluna, “A semaninha”, que se inicia em 18 de abril e permanece até o final do ano, tendo colaboradores outros jornalistas do jornal, como Raul D’Anvers. Vem a colaborar com um novo jornal, A Opinião Pública, adotando um novo pseudônimo: João do Sul, nome que também seria utilizado em 1914 nas publicações dos Casos do Romualdo nas páginas do Correio Mercantil.
O vínculo com a imprensa, por parte de João Simões Lopes Neto, não foi de uma atuação como jornalista investigativo ou procurando a notícia, mas sim da utilização desse veículo para divulgação de temas cívicos, educacionais e culturais, notadamente literários. Um escritor que se infiltrou no espaço permitido pelos jornais para essa produção além da notícia, refletindo sobre os acontecimentos e dialogando com o seu tempo. Seu entusiasmo mantinha esse canal de diálogo aberto, sendo notícia quando se envolvia em uma nova atividade, seja de cunho empresarial, seja quando foi eleito presidente do Clube de Ciclistas de Pelotas, em 1898, ou do seu ingresso na entidade tradicionalista União Gaúcha, em 1901, agremiação que viria a presidir em 1905. Cabe mencionar também sua atuação junto à Bibliotheca Pública Pelotense, como um de seus diretores a partir de 1907.
No ano de 1910 é um dos fundadores da Academia de Letras do Rio Grande do Sul, vindo a ocupar a cadeira de número 3. Em 1911, preside a Sociedade Rio-Grandense Protetora dos Animais e promove o lançamento da Revista do 1º Centenário de Pelotas, que, segundo Luís Rubira, “foi o mais importante empreendimento historiográfico de João Simões Lopes Neto. Não o único, contudo, pois ele concebeu vários outros textos e projetos de cunho histórico. Foi talvez o mais bem-sucedido” (Rubira, 2012, p. 71). É a Revista Centenária o seu primeiro projeto de jornalismo profissional, quando também começa a atuar como redator remunerado n’A Opinião Pública.
Seu trabalho no Diário Popular ganha fôlego com a publicação de onze dos dezoito contos do livro Contos gauchescos, que viria a ser lançado quatro meses após a divulgação nas páginas do jornal do décimo primeiro conto, “Penar de velhos”, em 5 de maio de 1912. Os demais contos foram publicados entre 31 de março e 1º de maio de 1912, nesta ordem: “No manantial”, “Trezentas onças”, “O boi velho”, “Correr eguada”, “Melancia – coco verde”, “O anjo da vitória”, “Os cabelos da china”, “O mate do João Cardoso”, “Chasque do Imperador” e “Jogo do osso”. No ano seguinte, Simões Lopes se aproxima d’A Opinião Pública, realizando várias publicações ao longo do ano com os pseudônimos de Serafim Bemol, como no texto “Aos estudantes de Pelotas”, e de João do Sul – destaque para a seção “Inquéritos em contraste” e para os dois primeiros Casos do Romualdo, “A quinta de S. Romualdo” e “A enfiada de macacos”, além do conto O menininho do presépio, datado de 31 de dezembro de 1913, que viria a ser incorporado aos demais contos na edição crítica Contos gauchescos e Lendas do Sul, de 1949, que aparece assinado com o seu próprio nome. É também nas páginas d’A Opinião Pública que João Simões Lopes Neto anuncia, em 14 de agosto de 1913, o lançamento do livro Lendas do Sul ao preço de um mil réis o exemplar.
Em 1914, vem a assumir a direção do Correio Mercantil, sucedendo a José Carlos de Sousa Lobo. A partir de maio, Simões Lopes realiza mudanças e alterações que modernizam e melhoram o jornal, inaugurando “Diárias”, que funcionou como editorial, inspirada em “Várias”, do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro. É também no Correio Mercantil, no período de 1º de junho a 21 de julho, que surgem os folhetins dos Casos do Romualdo, obra que, por iniciativa e trabalho de Carlos Reverbel, será publicada em formato de livro no ano de 1952 pela Editora Globo.
João Luis Pereira Ourique
Para saber mais:
SCHLEE, Aldyr Garcia. Cronologia de João Simões Lopes Neto. Cadernos Porto & Vírgula, Porto Alegre: IEL; IGEL, 1991.
Sobre o autor:
Página administrada pelo Instituto João Simões Lopes Neto (IJSLN) – “Conservando viva a obra de João Simões Lopes Neto”: joaosimoeslopesneto.com.br.
Publicação do verbete: jun. 2024.