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José da Silva Maia Ferreira

Foto de Maia Ferreira (à direita) com o seu irmão Luís de Queirós Matoso Maia. Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa

             José da Silva Maia Ferreira nasceu em Luanda, a 7.6.1827 e faleceu no Rio de Janeiro de tuberculose mesentérica, tendo sido sepultado a 18.10.1867.

            Ao longo de curta e agitada vida morou (por ordem cronológica) em Luanda, Rio de Janeiro, Lisboa, Rio de Janeiro novamente, Luanda novamente, Benguela, Luanda novamente, Nova Iorque e, por fim, Rio de Janeiro.

            Filho do negociante homónimo (José da Silva Maia Ferreira) e de D.ª Ângela de Medeiros Matoso (de Andrade Câmara) Maia, sua segunda mulher, descende, pelo lado paterno, de famílias de Luanda (Angola) e da região do Porto (Portugal); pelo lado materno descende de famílias de origem vária luandense e portuguesa (em parte, açoriana) de que há registo em Luanda desde meados do século XVII.

            Terá estudado no Rio de Janeiro (onde chegou com sete anos, a 16.12.1834) e depois em Lisboa (1840 ou 1841 a 1843 ou 1844), no Lycée Parisien (que lhe imprimiu dois desenhos: um retrato de D. Pedro I e uma cabana junto a um rio); não se sabe se chegou a matricular-se na Escola do Comércio, ou na Escola Politécnica (nenhum registo o menciona, havendo porém registos lacunares). Regressou ao Rio de Janeiro em abril de 1844, por falecimento do pai, começando a sua vida de funcionário público e negociante em seguida, já em Angola. Foi funcionário público em Luanda (para onde embarcou, do Rio de Janeiro, a 12.6.1845) e Benguela (Angola). É bastante provável que tenha casado (ou amigado) com uma luandense e tido uma filha, que faleceu muito nova, em Benguela, onde se manteve ligado ao grupo Jovem Luanda (sendo acusado, nesse âmbito, com os companheiros, de lusofobia). Na sequência de escândalo por identificar (talvez amoroso), foi demitido da função pública e fugiu para os EUA (Nova Iorque) em maio de 1851, a partir do porto livre do Ambriz, então integrado num sistema de portos livres ou governados por africanos e que, pouco tempo depois, seria conquistado pela colônia. Trabalhou no consulado português em Nova Iorque por iniciativa do cônsul (diplomata, negociante, escritor e maçom) Joaquim César de Figanière e Morão (ou Mourão). Foi agente de negócios (para a família Figanière e sua rede comercial) desde, pelo menos, 1852, realizando negócios próprios entre Nova Iorque e Havana (tabaco sobretudo). Há menção ao seu nome importando seis escravos em um navio negreiro apreendido a um comerciante português com negócios no Brasil e nos EUA.

            Na sua itinerância terá passado ainda em Cabo Verde, Bissau (Guiné-Bissau), talvez na Gâmbia, em Espanha e pode ter passado por Inglaterra também. Manteve contactos comerciais e familiares, ao longo da vida, com pessoas em Angola e no Brasil. Intermitentemente manteve contactos com membros da elite portuguesa, alguns dos quais conhecera enquanto estudante (a maioria deles estudara na Escola Politécnica).

            Não se relacionou com o Partido Conservador no Brasil, nem qualquer outro, apesar de um parente próximo de sua mãe ser uma das figuras salientes desse partido (Eusébio de Queirós Coutinho Matoso da Câmara). Seu irmão mais novo (já nascido no Rio de Janeiro), médico de formação e que serviu na Guerra do Paraguai, se tornou professor de História “no internato do Ginásio Nacional”, ou seja, no Colégio D. Pedro II. Nesse âmbito produziu um manual de História do Brasil adotado para as escolas “de instrução secundária” (Maia 1880). Outras relações incluíam jornalistas (entre os quais Antonino José de Miranda Falcão) e diplomatas como Francisco Inácio de Carvalho Moreira ou Joaquim César de la Figanière e Morão, com seu filho, também escritor e maçom, Frederico Francisco Stuart de Figanière e Morão.

            Nos meios literários ou culturais e jornalísticos os seus contactos o relacionavam, de forma geral, com a terceira geração romântica (e, por via dessa, com a segunda – de João de Lemos e de Gonçalves Dias), incluindo muitos que foram, para além de literatos e jornalistas, políticos. Elenco alguns nomes, sobretudo portugueses, mas também brasileiros e luso-brasileiros: António Freire de Serpa Pimentel, Casal Ribeiro (José Maria Caldeira), Raimundo António de Bulhão Pato, João d’Aboim, Luís Augusto Palmeirim, Ricardo Guimarães, Emílio Augusto Zaluar, A. P. da Costa Jubim, José Maria da Ponte e Horta, Francisco Maria Bordalo. A opção política da maioria destes amigos, em Portugal, era pelo Partido Regenerador; vários deles foram “setembristas”, colaborando no periódico A Revolução de Setembro (Lisboa, 1840-1901) e Casal Ribeiro foi republicano até à sua conversão (relativamente tardia) à monarquia liberal.

            A carreira jornalística de Maia Ferreira não foi prolífica, centrando-se em crónicas, a maioria enviadas de (ou escritas em) Nova Iorque e Havana, sobre assuntos políticos locais ou sobre hábitos locais. Iniciou-a já residente nos EUA, remetendo colaboração para o Jornal do Comércio e o Correio Mercantil – ambos do Rio de Janeiro. Colaborou também na edição de 1856, feita em Filadélfia, do Lippincott Pronoucing Gazeteer (1856), organizado por um seu cunhado estadunidense, que lhe agradece o apoio relativo a Brasil e Portugal.

            A vida literária de Maia Ferreira iniciou-se no Rio de Janeiro, a partir de contactos com o poeta e jornalista português, aí exilado, João d’Aboim. Por via desse poeta e jornalista português, amigo de Gonçalves Dias, nos anos de 1848 e 1849, publicou na Lísia poética, de José Monteiro Ferreira, juntamente com o seu amigo (brasileiro) A. P. da Costa Jubim. Publicou também no Boletim Oficial do Governo Geral da Província de Angola, em 1849, poemas homenageando o novo governador (Adrião Acácio da Silveira Pinto, que depois lhe foi adverso), D. Pedro de Alcântara, D. Fernando II e D.ª Maria II. No jornal O Peneireiro, de João d’Aboim, publicou ainda o poema «O exilado» (em 1855, ano da fundação do jornal), que deve ter sido composto durante a viagem que o levou do Ambriz até aos EUA (não se sabendo se terá passado, entretanto, por Lisboa). O poema seu publicado no Novo Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro para o ano de 1879 deve ter sido enviado por um desconhecido, na sequência de uma publicação idêntica assinada por outra pessoa, pois o poeta falecera doze anos antes.

            A sua única obra impressa foi tipografada em Luanda, sob o título e subtítulo Espontaneidades da minha alma: às senhoras africanas. O título intertextualiza com homónimos e dedicatórias semelhantes em outros da época e, em particular, O livro da minha alma, de João d’Aboim, dedicado “às senhoras brasileiras”. Não se sabe ao certo se a finalização das Espontaneidades se deu no final de 1849 ou no princípio de 1850 (há poemas datados já deste ano). Foi impresso na tipografia do Boletim Oficial e terá constituído uma edição de autor. Trata-se, tanto quanto se saiba até hoje, do primeiro livro de poemas escrito por um filho da terra e publicado em Angola.

            Pela data e pelas características estilísticas, emparceira com outros títulos que lançam o ultrarromantismo português e as segunda e terceira gerações românticas brasileiras. Regista muitas influências francesas (Chénier, Hugo, Delphine Girardin etc.), bem como de Almeida Garrett e de Gonçalves Dias (todas comuns aos vários românticos). Revela um domínio hábil dos jogos rítmicos (sobretudo de instáveis acentos e cesuras internas), das rimas, dos modelos estróficos vigentes na então nova escola e das figurações enunciativas (sugerindo quadros enunciativos e flexões pessoais ambíguos ou totalmente fictícios mas, como de regra entre românticos, autobiográficos na aparência).

             A representação do feminino na sua poesia se reparte entre estereótipos europeus e mulheres definidas por traços psicossomáticos ligando-as à autenticidade, aos olhos escuros, à graciosidade no andar, aos peitos firmes, a uma tristeza profunda, à meiguice, à naturalidade.

            Chegou a imprimir um prospeto anunciando as Memórias íntimas dum africano, mas de tal obra não veio nada mais até nós, pelo que pode nem se ter concretizado, ou ter-se perdido entre os papéis da sua família brasileira – caso ele tenha levado algum esboço ou manuscrito consigo ao regressar ao Rio de Janeiro. Visto que uma parte do espólio norte-americano não foi revelada, existe ainda a esperança de lá se encontrar o manuscrito dessa autobiografia. Em carta ao irmão Luís de Queirós, enviada de Nova Iorque, diz ter abandonado a poesia nos EUA, em razão da vida prática para que teve de se voltar. Em carta à mulher, escrita de Havana, descreve a sua nova crença ou ideia de Deus e do mundo em termos claramente maçônicos.

            Segundo o n.º 290 (p. 3), do Correio Mercantil de 21.10.1867 (uma segunda-feira), foi sepultado no Rio de Janeiro, no dia 18.10.1867, “José da Silva Maia Ferreira, africano, 39 anos, casado. Tubérculos mesentéricos”. Entretanto erraram a idade, porque teria quarenta anos e quase quatro meses. O resto parece confirmar-se…

Francisco Soares

Para saber mais:

ANTT. José da Silva Maia Ferreira. 3 maio 2012. https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4707290 (acedido em 11. 1.2021).
FERREIRA, José da Silva Maia. Espontaneidades da minha alma: às senhoras africanas. Luanda: UEA, 1985.
_______. Espontaneidades da minha alma: às senhoras africanas. Luanda: Imprensa do Governo, 1849.
______. Espontaneidades da minha alma: às senhoras africanas. Intr. e notas Gerald Moser. Lisboa: Ed. 70, 1980.
______. Espontaneidades da minha alma: às senhoras africanas. Intr. Salvato Trigo. Lisboa: IN-CM, 2002.
______. Espontaneidades da minha alma: às senhoras africanas. Intr. e org. Francisco Topa. Porto: Sombra pela Cintura, 2018. http://web.letras.up.pt/ftopa/Livros/20.%20Espontaneidades.pdf. Acedido em: 12 jan. 2021.
PACHECO, Carlos. José da Silva Maia Ferreira: novas achegas para a sua biografia. Luanda: UEA, 1992.
______. José da Silva Maia Ferreira: o homem e a sua época. Luanda: UEA, 1990.
______. O nativismo na poesia de José da Silva Maia Ferreira. Évora: Pendor, 1996.

 

(ESPONTANEIDADES DA MINHA ALMA, Senhoras Africanas)