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Júlia Lopes de Almeida

Júlia Valentim da Silveira Lopes nasceu em 24 de setembro de 1862, na Rua do Lavradio, n. 53, no Rio de Janeiro/RJ, onde sua família possuía o Colégio de Humanidade. Viveu a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro (mais de quarenta anos), estabelecendo residência em Santa Teresa depois de casada.

Morou ainda em Campinas, (1869-1876; 1878-1886), em São Paulo (1889-1895) e em Paris (entre 1825-1931), com breves passagens por Nova Friburgo (1868-1869), Montevidéu (1976-1978) e Lisboa (1886-1888). Incentivada pelo pai, estreou como cronista para o Gazeta de Campinas, em 1881, aos 19 anos, com uma crônica sobre a apresentação Gemma Cuniberti no teatro da cidade.

Em um ambiente tradicionalmente masculino, no qual a presença das mulheres era extremamente contestada, Júlia construiu uma carreira sólida, longínqua (publicou durante 53 anos) e multifacetada, atuando como cronista, contista, romancista, ensaísta, teatróloga e conferencista, dentro e fora do Brasil. Foi a única mulher entre os idealizadores da Academia Brasileira de Letras em 1897, tendo sido retirada da lista de indicação de patronos pelos colegas que acreditavam necessário seguir a tradição francesa de não permitir a presença de mulheres entre os “imortais”. Coube ao marido, o poeta e jornalista Francisco Filinto de Almeida, ocupar o seu lugar na instituição. No entanto, tornou-se, décadas mais tarde, a patrona da cadeira n. 26 na Academia Carioca de Letras, fundada em 1926.

Colaborou assiduamente com revistas e periódicos, entre eles: Gazeta de Campinas (1881), Correio de Campinas (década de 1880), Diário de Campinas (década de 1880), O País (década de 1890-1910), Almanaque Literário de São Paulo (1884), A Semana (1885-1887 e 1894), A Família (1888-1889), Tribuna Liberal (1888-1889), A Estação (1888-1891), Gazeta de Notícias (1888-1894), Revista dos Novos (1895-1896), A Bruxa (1897), Almanaque - Gazeta de Notícias (1897-1898), A Mensageira (1898-1900), Ilustrada Brasil-Portugal (1899-1914), O Mundo Literário (década de 1900), O Estado de S. Paulo (década de 1900), Jornal do Comércio (década de 1900-1910), Kosmos (década de 1900-1910), Revista Feminina (1915-1917), Revista do Brasil (1917) e Nosso Jornal (1919-1920). Foi a única mulher entre os escritores brasileiros e portugueses responsáveis pela seção literária da revista A Ilustração Brasileira, fundada em 1901.

Em 1886, reuniu crônicas que já havia publicado em jornais de Campinas, nos anos anteriores, e publicou o manual intitulado Livro das noivas, pela Tipografia da Companhia Nacional, de Lisboa. Inaugurou assim mais uma de suas diversas facetas, a da conselheira, autodenominando-se D. Júlia e dirigindo-se às jovens que estavam se preparando para o casamento, com o intuito de aconselhá-las sobre os primeiros anos de convívio íntimo com o marido, sobre a importância da leitura e da educação para as mulheres, hábitos de higiene, cultivo de flores e educação dos filhos (Faedrich, 2022). Em 1906, publicou seu segundo manual, Livro das donas e donzelas, pela Editora Francisco Alves, e nele ampliou as temáticas do Livro anterior, incluindo reflexões sobre a atuação pública das mulheres, o vestuário, o convento, as festividades religiosas, o envelhecimento e sobre algumas notícias que estavam circulando e impactando as leitoras da época.

Como cronista assinou, durante três décadas, a coluna “Dois dedos de prosa” (localizada à esquerda da primeira página) d’O País, espaço em que discutia sobre assuntos políticos, urbanos, sociais e culturais, tradicionalmente reservados aos homens naquela época. Infelizmente, grande parte dessas crônicas foi perdida em um incêndio na sede do jornal, em 1930, e o que foi preservado corresponde apenas ao período entre 1907 a 1912. Anna Faedrich, no livro Júlia do Rio: crônicas da Belle Époque carioca (no qual reuniu 46 textos da coluna, publicados entre 25 de agosto de 1908 e 13 de agosto de 1912), chama a atenção para a atuação de Júlia Lopes como “uma intérprete da modernidade e uma cronista por excelência do Rio de Janeiro” (Faedrich, 2024). Seja como crítica de arte ou como observadora arguta das condições de policiamento, trânsito, higiene e saneamento, iluminação pública, arborização e arquitetura urbana, muitas vezes comparando a cidade com outras capitais europeias, Júlia Lopes de Almeida registrou com afinco as mudanças materiais e simbólicas que a virada do século trouxe ao país.

Neste mesmo jornal, entre 1907 e 1909, publicou, nas colunas “Reflexões de uma viúva”, “Reflexões de uma esposa” e “Reflexões de um marido”, os textos da sua coletânea Eles e elas, lançada como livro em 1910, pela Editora Francisco Alves. Os textos possuíam uma nota de rodapé que indicava terem sido retirados do livro e têm como temática os conflitos familiares da burguesia, narrados a partir da perspectiva das esposas ou dos maridos. Por meio da ironia afiada de Júlia, os enredos evidenciam a complexidade da comunicação entre as duas partes, um sintoma da transição entre o conservadorismo patriarcal do século XIX e as possibilidades emancipatórias que o século XX descortinava para as mulheres. Em 2015, Nadilza Martins de Barros Moreira reeditou a coletânea no volume Eles e elas: crônicas da Belle Époque carioca de Júlia Lopes de Almeida, após mais de 90 anos desde a segunda edição de 1922.

Seguindo o costume da época, adotado tanto pelos escritores masculinos quanto pelas autoras que conseguiram, arduamente, circular nos meios literários e jornalísticos dominados pelos primeiros, Júlia publicou os seus romances primeiro em folhetins nos jornais e só posteriormente os lançou em livros. Na Tribuna Liberal, entre dezembro de 1888 e janeiro de 1889, estreou com Memórias de Marta, publicado em livro pela Casa Durski, editora de Sorocaba/SP, em 1899. Na Gazeta de Campinas, publicou os romances A família Medeiros, de 16 de outubro a 17 de dezembro de 1891, (livro lançado pela Companhia Editora Fluminense, do Rio de Janeiro, em 1982) e A viúva Simões, em 1895 (livro lançado pela editora António Maria Pereira, de Lisboa, em 1897).

No Jornal do Comércio, publicou quatro romances: A casa verde, escrito em colaboração com o marido, sob o pseudônimo Julinto, de 18 de dezembro de 1898 a 16 de março de 1899 (livro lançado somente em 1932, pela Companhia Editora Nacional, de São Paulo); A intrusa, em 1905; Cruel amor, em 1908; e A Silveirinha: crônicas de um verão, em 1913 (os último três foram publicados como livros pela Francisco Alves, em 1908, 1911 e 1914, respectivamente). O romance epistolar Correio da roça saiu em O País, entre 7 de setembro de 1909 e 17 de outubro de 1910, e, em livro, em 1913, pela mesma editora.

Somente três, dos seus onze romances, foram lançados diretamente em livro. A falência foi publicado em 1901, pela oficina de obras d’A Tribuna (Rio de Janeiro), e imediatamente esgotou os exemplares das primeiras tiragens, sendo reeditado ainda no mesmo ano pela Francisco Alves. Pássaro tonto (1934) foi publicado postumamente pela Companhia Editora Nacional, de São Paulo. Já o manuscrito de O funil do diabo, encontrado no acervo pessoal da escritora, sob os cuidados do neto, Claudio Lopes de Almeida, foi reeditado e publicado em 2015, por Zahidé Muzart, fundadora da Editora Mulheres, de Florianópolis, e responsável por dar início ao trabalho arquivístico de republicação de obras que até então estavam esquecidas nos depósitos das bibliotecas públicas pelo país.

Júlia Lopes publicou ainda duas coletâneas de contos, Traços e iluminuras, em (1887), e Ânsia eterna (1903); uma coletânea de novelas, A isca (1922, composta por “A isca”, “O homem que olhava para dentro”, “O laço azul” e “O dedo do velho”); e quatro coletâneas escolares, Contos infantis (1886), em colaboração com a irmã e também escritora Adelina Lopes Vieira; Histórias da nossa terra (1907) e A árvore (1916), em colaboração com o filho Afonso; e Era uma vez... (1917). Para o teatro escreveu dez peças, das quais quatro foram publicadas ainda em vida: A herança (1909) e a coletânea Teatro (1917, reunião de três peças). As demais foram reunidas e publicadas apenas em 2020, por Micheli Asmar Fanini. Somam-se ao conjunto de sua obra o livro de viagem Jornadas no meu país (1920), o livro de jardinagem Jardim florido (1922), além de diversas conferências e ensaios, proferidos e publicados entre 1911 e 1925.

Júlia Lopes de Almeida faleceu em 30 de maio de 1934, por complicações da malária, oito dias após retornar de uma viagem à Beira, Moçambique, em que fora acompanhar a filha mais nova e as netas de volta ao Brasil. Foi homenageada postumamente pelas imprensas brasileira, francesa e portuguesa, bem como pela Academia Carioca de Letras e Academia Brasileira de Letras. O periódico lisbonense O Século publicou uma foto da autora, anunciando o seu falecimento, “D. Júlia Lopes de Almeida - Faleceu a ilustre romancista brasileira” (Salomoni, 2005), seguida de um texto laudatório.

Angélica da Cruz Gonçalves Carlos

Para saber mais:

ALMEIDA, Júlia Lopes de. Júlia do Rio: crônicas da Belle Époque carioca. Org. Anna Faedrich. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2024.
CARLOS, Angélica da Cruz Gonçalves. Memoricídio na literatura brasileira de autoria feminina: o caso de Eles e elas (1910), de Júlia Lopes de Almeida. 2025. 121p. Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2025. Disponível em: <https://argo.furg.br/?BDTD14375>. Acesso em: 25 mai. 2025.
COSTRUBA, Deivid Aparecido. Para além do sufragismo: a contribuição de Júlia Lopes de Almeida à história do feminismo no brasil (1892-1934). 2017. 201p. Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2017. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/152622. Acesso em: 25 out. 2024.
FAEDRICH, Anna. Escritoras silenciadas: Narcisa Amália, Julia Lopes de Almeida, Albertina Bertha e as adversidades da escrita literária de mulheres. Rio de Janeiro: Macabéa, 2022.
SALOMONI, Rosane Saint-Denis. A escritora/os críticos/a escritura: o lugar de Júlia Lopes de Almeida na ficção brasileira. 2005. 231p. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/81773. Acesso em: 19 dez. 2022.
SHARPE, Peggy. Júlia Lopes de Almeida. In.: MUZART, Zahidé Lupinacci (Org.). Escritoras brasileiras do século XIX: antologia. v. 2. Florianópolis: Mulheres, 2004. p. 188-238.
 

Publicação do verbete: jun. 2025.