Manoelito de Ornellas nasceu em uma pequena cidade na região da fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, onde o rio Uruguai separa duas fronteiras: Itaqui, do lado brasileiro, e Alvear, na Argentina. A fronteira geográfica – Brasil e Hispano-América – dois espaços na vida de Manoelito, que nasceu de mãe uruguaia, descendente de italiano com francesa, e pai brasileiro, descendente de portugueses. A língua também permaneceu dual para o menino, pois a mãe falava espanhol, enquanto o pai comunicava-se em português. A fronteira pautou a trajetória do homem e do escritor. Fluir, como o rio, entre dois espaços, unindo-os e separando-os, foi o destino de Manoelito desde o nascimento.
O escritor Manoelito, quando ainda morava no interior, iniciou sua atividade jornalística como colaborador do Correio do Povo, onde prosseguiu trabalhando, como jornalista, até o fim de sua vida. Foi redator do Jornal da Manhã, um órgão do governo, e redator-chefe de A Federação, o antigo jornal republicano de Júlio de Castilhos e Venâncio Aires. O golpe que instituiu o Estado Novo, em 10 de novembro de 1937, repercutiu intensamente no Rio Grande do Sul e A Federação, órgão oficial do governo, foi fechado, surgindo no seu lugar o Jornal do Estado, o qual Manoelito dirigiu, tendo sido também diretor da Imprensa Oficial, em 1939.
No Jornal do Estado, o autor escrevia crônicas sobre literatura, história, educação, personalidades rio-grandenses e sobre sua terra adotiva, Porto Alegre, cidade que descobriu na juventude e aprendeu a amar. As crônicas mostram a face jornalista do escritor e comprovam que a sua arte está presente tanto no texto literário quanto no jornalístico.
A fim de se estabelecer uma amostra do legado de Manoelito de Ornellas, destacamos as crônicas “Prosa das Terças”, que tiveram início na primeira quinzena de março de 1948 e permaneceram até o final de 1966, no jornal Correio do Povo. Pode-se caracterizar tal espaço como a tribuna de onde o autor defendeu suas ideias durante duas décadas. “Prosa das Terças”, como ele mesmo dizia, foi “uma janela aberta para o mundo”, através da qual seu espírito respirava.
A matéria predominante das crônicas é a história, seguido de biografia de personalidades literárias e políticas, literatura, ensino e memórias. O ambiente comum é o solo do Rio Grande.
O autor relata a história de cidades do Rio Grande do Sul, como em “Rincão da Cruz”. Nesta crônica refere-se à visita do pesquisador francês Saint-Hilaire ao Brasil e à região Sul, em busca de novos conhecimentos sobre a curiosa geografia brasileira, seu clima diferenciado e sua vegetação exuberante, tendo ficado maravilhado com a qualidade da terra favorável à criação de gado e ao cultivo da agricultura.
A influência da cultura árabe no mundo ocidental foi analisada em “A presença dos árabes na Itália”: “De começo, um certo preconceito religioso parecia interpor fronteiras entre ambas as civilizações: a muçulmana e a cristã [...], a redescoberta do grande filão histórico provoca uma notável atividade cultural”.
Em “A origem do gado e do cavalo rio-grandense”, trata da forte semelhança dos costumes do homem do deserto africano com o gaúcho, especialmente a proximidade dos elementos da vida primitiva e a semelhança do meio, em que o cavalo e o gado são os mais familiares à terra herdada dos antepassados.
Em “Lição e resposta de Palmeira das Missões”, Manoelito destaca o movimento que visa a recuperar o culto e o respeito à mais nobre herança humana – as raízes históricas, e enfatiza: “O que pretendemos é preservar o Patrimônio [...] que nos legaram aqueles que fizeram de sua vida uma aventura permanente [..]. Negá-los será renunciar à própria herança do sangue”.
Um texto que também caracteriza esse culto ao folclore e valoriza nossas lendas é “A origem das Salamancas”, crônica que completa o belíssimo texto de Simões Lopes Neto, “A Salamanca do Jarau”. Segundo Manoelito, a lenda contém traços fortes da cultura moura e da magia cultivada por esse povo que contribuiu para formar as raças que habitaram a Península Ibérica. A lenda, na versão sul-rio-grandense, guarda aspectos coloridos e movimentados, características dos povos mouros, que influenciaram as terras cisplatinas, extensão do nosso pampa.
Em “Minha cidade simbolista...”, Manoelito dedica a Porto Alegre um canto apaixonado, embora o desejo de mudança seja uma constante a dividir o coração do poeta: “Tu me esperavas, no outono, neste outono, que é do tempo e é meu, outono calmo e sereno, um pouco frio no espaço, mas cálido no coração e palpitante nas mãos que se entregam”.
Escreveu também sobre seus amigos e para eles. Em “Mansueto Bernardi”, por exemplo, o autor destaca: “parece que foi ontem meu encontro com o poeta de Terra convalescente, naquele primeiro andar da antiga Livraria do Globo, onde conheci todos os jovens intelectuais [...]. A esse tempo, Erico Verissimo, companheiro do Planalto Médio, amigo de Cruz Alta e Tupanciretã, já estava aqui [...], fora ele o meu primeiro amigo nas indagações da literatura. Como vai longe o tempo e como os homens se transfiguram”.
Interessante depoimento autobiográfico é a prosa “Por que escrevi Tiaraju”, em que o autor relata uma história de amor à terra gaúcha: “Dominamos, pelo espírito, a paisagem do mundo para melhor sentirmos os dramas humanos, nessa solidariedade que transcende as convenções territoriais. Mas, pelo complexo cultural, estamos presos à tradição do meio em que surgimos, ao grupo racial de cujas marcas características somos portadores, à terra que nos oferece aos olhos as primeiras visões de beleza”. Tiaraju é, conforme Manoelito, uma história contada ao modo dos velhos rapsodos, pode ser um poema ou mesmo um livro que pretende atualizar a figura de um herói legítimo do Rio Grande.
Manoelito dizia que escrevia “para não estar só ou para não deixar só”. Podemos acentuar mais uma característica dual do escritor: a solidão, traço que herdou da vida no campo, onde viveu entre os familiares junto à natureza, e a comunicabilidade, qualidade que desenvolveu e cultivou, pois amava os amigos e os cativava com facilidade. De um lado, o escritor solitário escreve sobre o passado, em um processo íntimo de reminiscências e, de outro, o jornalista que procura o contato com as pessoas e busca material no presente para seus escritos. O escritor/jornalista e o homem se revelam e se fundem para ser apenas um.
Maria Alice Braga
Para saber mais:
SPALDING, Walter. Manoelito de Ornellas: estudos. Porto Alegre: [s.n.], jul./set. 1969.
Referências bibliográficas da obra do autor:
Publicação do verbete: jul. 2024.