Capa da primeira edição de A Revista (Belo Horizonte, jul. 1925)
Na recém-fundada Belo Horizonte do começo do século XX, um grupo de jovens literatos afeitos às experimentações vanguardistas fundou A Revista, primeira publicação modernista do estado de Minas Gerais, que dava continuidade às ideias debatidas nas revistas anteriores do movimento, como Klaxon (São Paulo, 1922-1923) e Estética (Rio de Janeiro, 1924-1925). Assim, ampliava-se a rede intelectual em torno do Modernismo brasileiro, que ganhava novos contornos na discussão pela renovação literária e cultural do país. Os responsáveis pelo periódico eram conhecidos como o grupo do “Estrela”, confeitaria onde se reuniam frequentemente para conversar sobre os assuntos do momento e trocar opiniões a respeito de seus escritos literários, entre os quais Carlos Drummond de Andrade, Martins de Almeida, Pedro Nava, Gregoriano Canêdo, Abgar Renault, Emílio Moura, João Alphonsus, para citar alguns dos mais assíduos.
A redação localizava-se na Avenida João Pinheiro, 565, e todos os números foram produzidos na tipografia do Diário de Minas, na Rua da Bahia, 1210-1220, jornal em que contribuíam alguns integrantes do grupo, assinando textos de crônica social, literários e mesmo algumas investidas modernistas já podiam ser notadas nessas páginas. Dos três números publicados, a ambição de periodicidade mensal foi cumprida nos dois primeiros exemplares, que circularam em julho e agosto de 1925, seguido de um hiato até o lançamento do terceiro e último número em janeiro de 1926. A direção ficou à cargo de Carlos Drummond de Andrade e Martins de Almeida, com Gregoriano Canêdo na função de redator. Sem informações sobre a tiragem, os números avulsos eram vendidos a 1$000, custando a subscrição semestral 6$000 e a anual em 12$000.
Optou-se pelo título enxuto e sem subtítulo que caracterizasse o teor moderno do periódico, sem desconsiderar o sentido estratégico de não antecipar sua proposta à sociedade mineira de então, pouco afeita às novas tendências. Se comparada às demais revistas modernistas da década, A Revista teve formato pequeno (14,5 x 22 cm), com cerca de 58 páginas por número. Com projeto gráfico bastante simples, sua capa em cor sóbria era destacada apenas pelo título em vermelho e a composição era completada pelo sumário exposto ao centro, um padrão visual característico de outras publicações contemporâneas no cenário editorial brasileiro, como o caso da Revista do Brasil (São Paulo, 1916-1925). Em seu interior, a diagramação era convencional, com letras miúdas, sobretudo se confrontada com a primeira revista modernista paulista, Klaxon.
A Revista não contou com um manifesto explícito do grupo, porém, as apresentações de primeira página de cada número podem ser lidas como suas propostas e posições no movimento modernista. O número de estreia se abriu com o texto “Para os céticos”, não assinado, mas atribuído a Drummond, que debatia as ideias de vanguarda, tradição, nacionalismo e regionalismo. O segundo, cuja autoria foi conferida a Martins de Almeida, dava continuidade a este diálogo, agora dirigindo-se “Para os espíritos criadores”. O último número não teve um texto de apresentação, mas tal função foi cumprida pelo poema “Poética”, de Manuel Bandeira, uma ode à renovação e liberdade artística.
Em relação ao conteúdo, A Revista reuniu significativo número de contribuições em prosa, poesia, artigos e ensaios. Relevante espaço foi dedicado à crítica literária, como na seção “Os livros e as ideias”, que tinha em vista informar o leitor a respeito das mais variadas publicações modernistas, nacionais e estrangeiras, sobretudo francesa. Também foram publicados artigos que debatiam aspectos do nacionalismo, regionalismo e tradição. Em relação aos colaboradores de A Revista, é notável a presença dos próprios integrantes do “Estrela”, além de alguns nomes de peso no cenário modernista nacional, com destaque para Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida e Ronald de Carvalho. Em contrapartida, a publicação registrou colaborações ditas “passadistas”, dada a presença de nomes tradicionais do campo cultural mineiro, que pouco se relacionavam com a parcela vanguardista de A Revista.
Compreende-se o desaparecimento de A Revista pela dispersão do grupo responsável, que se afastou de Belo Horizonte após a conclusão dos cursos universitários, seguindo por outros caminhos pessoais ou profissionais. No entanto, os modernistas mineiros continuaram a contribuir em outras publicações e atividades do movimento, numa circulação de ideias que não se limitou à geografia ou temporalidade de sua atuação em A Revista.
Luciana Francisco
Para saber mais:
MARQUES, Ivan. Cenas de um Modernismo de província: Drummond e os rapazes de Belo Horizonte. São Paulo: Ed. 34, 2011.
Sobre o periódico:
Há coleções completas da revista disponíveis on-line na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (HDBN), no Acervo Digital da Biblioteca Brasiliana Guita e José Midlin (BBM-USP) e no Portal Revistas de Ideias e Cultura (RIC-Brasil).
Publicação do verbete: fev. 2025.