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Romance-folhetim

Página do jornal O Rio-Grandense (Porto Alegre, 24 maio 1846), com um capítulo de folhetim no rodapé. Fonte: Hemeroteca Digital Imprensa Sul-Rio-Grandense do Século XIX (HDIRS): www.ufrgs.br/hdirs.

Como todas as boas histórias, a dos folhetins também é recheada de intrigas. Seu idealizador foi Émile Girardin, criador do jornal francês La Presse. Para multiplicar e baratear sua folha, Girardin imaginou uma forma diferente de publicar textos literários – eles passariam a aparecer em capítulos. Assim, cativariam leitores e ajudariam a ampliar a tiragem. Mas ele tinha um sócio, Armand Dutacq, que percebeu o potencial daquilo, separou-se de Girardin e, antecipando-se a ele, lançou o primeiro romance-folhetim no jornal Le Siécle, do qual foi fundador.

No dia 5 de agosto de 1836, foi publicado o primeiro capítulo de Lazarillo de Tormes, narrativa anônima espanhola, cuja primeira edição conhecida data do século XVI. A escolha do texto não foi por acaso: além de não exigir pagamento de direitos autorais, a obra constituía uma espécie de modelo primitivo da narrativa que faria enorme sucesso entre os parisienses, os franceses, em geral, a Europa e, logo, diversos países do mundo: os textos em folhetim.

A publicação sequenciada popularizou a literatura através dos jornais. Essa aproximação entre literatura e imprensa aconteceu devido, principalmente, aos avanços tecnológicos ocorridos em meados do século XIX e aos episódios político-culturais do período. O desenvolvimento das máquinas impressoras permitiu a ampliação das tiragens, chegando, primeiramente, aos 4 mil exemplares e, depois, saltando para os 20 mil exemplares diários. Ao final do século, as tiragens alcançavam uma milhão de exemplares-dia. O problema, então, era que esses jornais precisavam ser distribuídos, conquistar leitores e, principalmente, garantir sua fidelidade (Hohlfeldt, 2003).

Originalmente, o folhetim era o espaço do rés do chão da primeira página dos jornais, dedicado a textos não informativos, como resenhas de livros ou de espetáculos, crônicas políticas ou políticas, material de variedades. As iniciativas de Girardin e Dutacq apropriaram-se daquele espaço para a publicação de narrativas ficcionais em fragmentos.

Publicados em partes, com sua ação dramática suspensa de tal forma que a solução dos conflitos exigia vários capítulos, as narrativas provocavam a curiosidade dos potenciais assinantes dos jornais. Seus textos se caracterizavam como narrativas longas, cheias de melodramaticidade e personagens os mais variados possíveis, com ações que se multiplicavam através de seus capítulos, propiciando um enredo complexo. Era um texto literário, por seu maior apuro estilístico, mas que se aproximava do jornalismo, por referenciar, muitas vezes, acontecimentos recentes (Hohlfeldt, 2023).

Suas características principais eram: enredos complexos, grande número de personagens, ações eletrizantes, detalhes em torno do passado cuidadosamente omitidos pelo narrador até determinado momento da ação, estrutura montada de maneira a fazer coincidir um efeito de suspense com o final do espaço destinado à narrativa, sinais de reconhecimento etc. São variadas as designações para esse tipo de produção: além de romance-folhetim, esses textos também foram chamados de literatura industrial, paraliteratura, literatura de massa, literatura trivial e romance de apêndice, entre outros. Fato é que, por interinfluências geográficas, formais e de conteúdos as mais variadas, essas produções alcançaram enorme difusão (Hohlfeldt, 2003) e perduram ainda no século XXI, não apenas nos jornais impressos quanto em sites variados, sem esquecer as apropriações dos canais de streaming, com suas narrativas seriadas e desdobradas em temporadas.

Como hoje ocorre com as telenovelas, alguns personagens ganhavam maior importância, por imposição do público; histórias de sucesso tinham de ser estendidas, sem esquecer, é claro, o sempre presente entrelaçamento entre ficção e realidade (Meyer, 1996). Dessa maneira, conquistavam-se novos leitores e ampliava-se a abrangência do jornal. A rápida popularização dos folhetins fez com que, logo, os exemplares fossem disputadíssimos e a melhor saída para não perder nenhum capítulo fosse mesmo investir na assinatura do jornal. Em seguida, começaram a ser publicados na forma de livro, tão logo a narrativa concluísse sua circulação pelas páginas do jornal. O mesmo periódico ocupava-se em vender o livro, a que se agregavam ilustrações que valorizassem o volume.

A febre dos folhetins logo chegou ao Brasil. Um dos primeiros romances nessa linha, no país, foi Capitão Paulo, de Alexandre Dumas, publicado em 1838, no Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro. Os leitores multiplicaram-se e a influência sobre os que se tornariam os primeiros escritores do país seria plenamente reconhecida, bastando citar autores como Machado de Assis e José de Alencar.

Os escritores surgidos na maré do Romantismo brasileiro utilizariam o mesmo princípio para a divulgação de suas obras, e a circulação dos romances, no Brasil, através dos jornais, permaneceria, até meados do século XX, fazendo com que não apenas os textos românticos quanto os autores das tendências que se seguiriam, especialmente o Realismo e o Naturalismo, adotassem o mesmo tipo de veiculação (Hohlfeldt, 2003). Também os textos de peças teatrais consagradas foram veiculados no espaço do folhetim. Na década de 1940, o dramaturgo Nelson Rodrigues, sob o pseudônimo de Susana Flag, publicou, nos jornais de Assis Chateaubriand, algumas das mais famosas histórias em capítulos da imprensa brasileira.

Mas não foi nos jornais que o folhetim atingiu seu ápice de popularidade no Brasil. Isso só acontece quando suas histórias passam a ser adaptadas para o rádio, na década de 1940, e para a televisão, na década de 1960. Só para se ter uma ideia, em 1956, a Rádio Nacional transmitia quatorze radionovelas por dia – elas representavam 50% da programação da emissora (Haussen, 1997). Na televisão, o gênero se transforma em um dos principais fenômenos de massa – a popularidade da ficção televisual se dá, por aqui, quando as telenovelas descobrem a realidade brasileira e passam a desvendá-la em capítulos diários, oferecidos para o deleite e distração do telespectador (Melo, 1998). O recente fenômeno das séries, acompanhadas com entusiasmo por espectadores de diferentes lugares, perfis, idades e classes sociais, é um sintoma de que a ficção seriada, com nova roupagem, continua conquistando públicos variados e ocupando espaço importante nos hábitos de consumo cultural contemporâneos.

Aline Strelow

Antonio Hohlfeldt

Para saber mais:

ECO, Umberto. Lector in fabula. São Paulo: Perspectiva, 1989.
HAUSSEN, Dóris. Rádio e política: tempo de Vargas e Perón. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997.
HOHLFELDT, Antonio. Deus escreve direito por linhas tortas: o romance-folhetim dos jornais de Porto Alegre entre 1850 e 1900. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.
MELO, José Marques de. As telenovelas da Globo. São Paulo: Summus, 1998.
MEYER, Marlyse. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
STRELOW, Aline. A conquista dos leitores: do folhetim ao hipertexto In: MAPEAMENTO do ensino de jornalismo digital no Brasil em 2010. São Paulo: Itaú Cultural, 2010.
 

Publicação do verbete: nov. 2024.